No início de maio deste ano, a obstetra Debora Januzzi, de 54 anos, que trabalha em uma unidade do SUS em São Paulo, testou positivo paraa covid-19 após realizar um exame de PCR. Foram longos 20 dias de dores no corpo, muita dor de cabeça e fraqueza. “Não conseguia nem levantar. Como foi no início da pandemia do coronavírus, fiquei bem assustada. Mas não tive complicações respiratórias nem febre”, conta. Ela voltou a atender pacientes mais de três semanas depois quando um novo teste de PCR não detectou mais o vírus. Acostumada com os protocolos de segurança dos hospitais e preocupada com os poucos estudos sobre a real imunidade gerada após contrair a doença, a obstetra diz não ter baixado a guarda. Ela também tinha dúvidas se ela não poderia transmitir o vírus, por isso manteve os cuidados. Para sua surpresa, no entanto, no início de dezembro, a médica testou positivo para o coronavírus pela segunda vez e sua filha de 17 anos teve a doença pela primeira vez.
“Quando comecei a sentir os sintomas de resfriado e perdi o olfato, eu nunca imaginei que estaria com covid-19. Mas meu caso parece mesmo ser um clássico de reinfecção, até por ser médica, estando mais em contato com o vírus. Trabalho em uma maternidade onde há um grande fluxo de pessoas, atendemos gestantes com covid-19″, explica. O único “conforto”, segundo Januzzi, após contrair a doença era a ideia de talvez não contrair mais o vírus. “Mas vi que isso não serviu para nada. Até que ponto adquirir imuniza? A gente começa a questionar a vacina, a gente não sabe nada, muito pouco desse vírus. Eu nunca tinha visto um caso de reinfecção nos meus colegas”, conta.
Casos confirmados e suspeitas de uma segunda infecção de covid-19 são raros no mundo, segundo pesquisadores. O primeiro foi registrado em 24 de agosto, em Hong Kong, e chegou a ser publicado em uma revista científica. Também há episódios documentados na Holanda, Estados Unidos, Índia, Bélgica, Catar, Equador, Espanha, Suécia e Coreia do Sul. No Brasil, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso na última quinta-feira (10 de dezembro) em uma profissional da saúde de 37 anos que mora em Natal, Rio Grande do Norte, e que trabalha também na Paraíba.
Ela contraiu a doença em junho, se curou e teve resultado positivo novamente em outubro —116 dias depois do diagnóstico inicial. Uma análise genética feita pela Fiocruz, referência nacional para a covid-19, permitiu confirmar a reinfecção e identificou a existência de linhagens distintas do vírus nos dois momentos de contaminação. Segundo a pasta, outros 58 casos suspeitos de reinfecção foram registrados pelas secretarias de saúde estaduais, distribuídos em nove Estados do país. “O que se avalia é se realmente se trata de uma reinfecção ou um problema no diagnóstico. Para isso, é preciso ter a amostra da primeira infecção e da segunda. A duas [amostras] vão para um dos laboratórios de referência para um exame mais minucioso, específico de sequenciamento genético”, explica Grace Madeline, assessora do Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis da pasta.
O Ministério da Saúde alerta ainda que o caso da profissional de saúde de Natal reforça a necessidade da adoção do uso contínuo de máscaras, higienização constantes das mãos e o uso de álcool em gel. O Brasil soma atualmente 6,7 milhões de casos do novo coronavírus, que já matou mais de 179.000 pessoas —é o terceiro no planeta em contágios e o segundo em óbitos.
A virologista Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratórios e do Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), explica que há pelo menos três critérios para que um caso suspeito de reinfecção seja investigado: o paciente ter dois testes de PCR positivos, um prazo de no mínimo 90 dias entre os episódios da doença e ele possuir as amostras clínicas disponíveis para realizar outros exames laboratoriais. A virologista ressalta que não necessariamente os vírus precisam ser de linhagens diferentes para que um caso seja classificado como reinfecção. “Naturalmente, se nós tivermos duas linhagens diferentes, como aconteceu no caso de Natal, a confirmação é mais fácil. Mas há a possibilidade de alguém ter se infectado no início da pandemias e agora se reinfectar com a mesma linhagem, já que na primeira vez a pessoa não produziu anticorpos suficientes, de longa duração”, diz. Cada caso é investigado criteriosamente, segundo Siqueira, usando vários parâmetros.
Exauridos após 9 meses na linha de frente da pandemia, profissionais da saúde que já testaram positivo agora enfrentam o futuro com um leve temor de reinfecções, já que são um dos grupos mais expostos ao coronavírus. A virologista Marilda Siqueira acredita, no entanto, que não há motivos para alarmismo. “Estou em um grupo da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre reinfecção e, até agora, nenhum país está encontrando quantidades absurdas de reinfecção. Só é preciso seguir com os cuidados já que essa é uma doença que temos mais lacunas do que conhecimento, mais perguntas do que respostas”, pondera Siqueira. Uma das grandes incertezas atualmente é qual será a duração da imunização das vacinas que estão sendo aprovadas, já que só saberemos após acompanhar os vacinados nos próximos meses. “Vamos oferecer para a o população uma vacina sem saber a duração. É a escolha que podemos fazer, não dá para esperar saber tudo. A gente vai com o tempo dando as respostas”, aponta.
Não há evidências suficientes tampouco para saber se os casos de reinfecção são mais brandos ou graves. Até agora, estudos mostram que, em algumas pessoas, a reinfecção gerou um quadro pior e, em outras, um quadro melhor. No primeiro episódio confirmado no Brasil, a profissional de saúde apresentou sintomas mais leves nas duas infecções. “Há vários casos de vírus respiratórios que causam reinfecção ao longo da vida, como o vírus sincicial respiratório. Outros coronavírus já apresentaram reinfecções com casos mais leves. No caso desse, esperamos casos mais brandos, mais ainda não se pode afirmar”, diz Sequeira.