Jan Niklas e Luiza Barros | O Globo
A que ponto chegamos. Medidas devem ser tomadas. Passada. Se você lê este texto e já pensa num motorista de ônibus, numa régua ao lado de uma tomada e numa mulher com um ferro de passar, não pode negar. Já foi dominado pelas figurinhas que andam inundando o WhatsApp . Se você usa, repassa e cria suas próprias figurinhas, o caso é mais sério. Mas, afinal, a que ponto chegamos? Bem… a um novo ponto, sem dúvida.
Febre do momento, as figurinhas (ou stickers , em inglês) são o exemplo mais recente de como a tecnologia anda criando ferramentas para nos comunicarmos — ou nos trumbicarmos.
![Figurinha 'Passada' Foto: Reprodução](https://ogimg.infoglobo.com.br/cultura/23772295-b0a-fac/FT1086A/652/x706c7897a38cfd4766bfe03a952aa220.jpg.pagespeed.ic.fFEIwWuAsK.jpg)
Ao lado dos emojis, elas seduzem por serem divertidas, fofas, criativas. Mas também por preencherem lacunas da linguagem verbal.
— A escrita sempre tentou trazer um pouco da oralidade, usando sinais como o ponto de exclamação e reticências. Mas, nesse aspecto, sempre foi limitada — reconhece a professora da Faculdade de Letras da UFMG Vera Menezes. — Com emojis e stickers, você transmite com facilidade a ironia, a brincadeira.
O recurso de enviar imagens nos bate-papos virtuais existe desde que eles se popularizaram, nos anos 1990. Mas ganhou sua forma atual em 2015, quando o aplicativo de chats Telegram permitiu aos usuários com alguma desenvoltura digital criar suas próprias figurinhas. De olho no sucesso do concorrente, o WhatsApp adotou o mesmo recurso no fim do ano passado. Resultado: em 2019, você pode ser surpreendido por uma figurinha gaiata enviada de quem menos se espera.
![Stickers Foto: Reprodução / Arte](https://ogimg.infoglobo.com.br/cultura/23772845-91f-5b7/FT1086A/652/xStickers01.jpg.pagespeed.ic.yye1XWqp0f.jpg)
Foi o que aconteceu durante a produção desta reportagem. Ao receber nosso pedido de entrevista pelo WhatsApp, o professor de Comunicação e Informação da UFRGS Alex Primo respondeu com uma imagem de sua filha de 8 anos fazendo um sinal de “joinha”. A figurinha foi feita pela própria menina. Em resposta, enviamos um He-Man piscando. Primo usa a própria interação para explicar como as figurinhas estreitam laços:
— Quando mandei o sticker, quis dizer “ok, faremos nossa entrevista às 11h”. Quando você me respondeu com o He-Man, eu já aprendi que compartilhamos um universo simbólico comum — analisa Primo. — Aquilo mobilizou uma questão afetiva que, através de texto, demandaria mais tempo. Nós pulamos etapas e aceleramos o desenvolvimento de um relacionamento entre duas pessoas que não se conhecem.
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![](https://cearamirimnoticias.com.br/wp-content/uploads/2019/06/Show-de-Rock-Cear%C3%A1-Mirim-700x639.jpg)
![Stickers: as figurinhas Foto: Reprodução](https://ogimg.infoglobo.com.br/cultura/23773639-3ea-d04/FT1086A/652/xStickers05.jpg.pagespeed.ic.2X1w-0JU1q.jpg)
Para quem já está atacando o modismo, com medo de que esse tipo de “atalho”, ao substituir textos digitados, possa empobrecer a língua portuguesa, a professora Vera Menezes pede calma. E lembra que qualquer nova forma de se comunicar surge cercada de desconfiança. Ela argumenta que, na Antiguidade, o próprio advento da escrita recebeu críticas. Platão, por exemplo, temia que o hábito de escrever afetasse nossa capacidade de memorizar.
![Stickers usados em aplicativos de mensagens Foto: Reprodução / Arte](https://ogimg.infoglobo.com.br/cultura/23772849-028-215/FT1086A/652/xStickers02.jpg.pagespeed.ic.OPGYelZ2LN.jpg)
O próprio presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi, já se rendeu às figurinhas e aos emojis. Para ele, esses recursos em nada impedem formas de comunicação mais tradicionais.
— O fato é que precisamos trabalhar com todas as modalidades, desde as mais intensas, como a alta literatura, até um repertório que nos liga ao mundo pela internet — diz o imortal. — Não é uma guerra de uma linguagem contra a outra.
Pode ser, então, que emojis, stickers e memes adentrem a literatura? De certa forma, já está acontecendo: em 2013, a Biblioteca do Congresso americano incluiu em seu acervo “Emoji Dick”, versão do clássico “Moby Dick” de Herman Melville (1819-1891), com um detalhe: escrita só com emojis.
![Stickers Foto: Reprodução / Arte](https://ogimg.infoglobo.com.br/cultura/23772854-bd4-3c4/FT1086A/652/xStickers03.jpg.pagespeed.ic.gBop_vf49X.jpg)
O caso, porém, é mais anedótico do que indício de que, no futuro, iremos “falar” assim. Para a linguista britânica Caroline Tagg, da Open University, nem mesmo a popularização de áudios e vídeos pelo celular ameaça o uso da escrita:
— Diferentes recursos cumprem diferentes funções. Recursos não verbais são complementos da linguagem verbal, e não substitutos. O que estamos vendo agora é um aumento no repertório das pessoas.
É também o que pensa o pesquisador Philip Seargeant, autor de “The emoji revolution” (“A revolução do emoji”, livro a ser lançado em julho no Reino Unido). Ele defende que a linguagem verbal ainda é o sistema de comunicação mais flexível que temos e, por isso, não vai desaparecer:
— A alfabetização não está ameaçada pela comunicação moderna. Estamos lendo mais do que nunca, e ainda adquirindo habilidades que misturam visual e verbal.
Seargeant antecipa que já há estudos com engenhocas que nos permitiriam conversar diretamente a partir de nossos cérebros. Não sabemos como serão essas conversas — mas certamente alguém há de inventar piadas dentro delas.
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