Por Felipe Grandin e Gabriel Barreira, G1 Rio
O presidente da empresa que ganhou a licitação para construir e administrar o autódromo de Deodoro, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, é também sócio da empresa que fez estudos do edital da concorrência.
Especialistas ouvidos pelo G1 dizem que isso significa desrespeito aos princípios de impessoalidade, moralidade e igualdade previstos no artigo 3º da Lei das Licitações. A prefeitura do Rio e a empresa Rio Motorpark negam qualquer irregularidade (leia a íntegra das notas ao final desta reportagem).
“Art. 3º da Lei de Licitações nº 8.666: A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”
“Um consultor de licitação jamais poderia ser sócio da empresa que ganhou a licitação por um motivo muito simples: ele teve informações privilegiadas, se apropriou das informações para obter vantagem”, afirmou ao G1 o mestre, doutor e professor de Direito Administrativo Manoel Peixinho. Segundo ele, o caso pode configurar fraude à licitação, improbidade administrativa e violação de princípios da Lei de Licitações.
“Nós estamos diante de um dos maiores casos de corrupção em licitações públicas na cidade do Rio de Janeiro”, complementa Peixinho.
Empresa tem 0,14% do capital exigido
A única concorrente da licitação foi a Rio Motorpark Holding S.A. O capital social da empresa é de R$ 100 mil, conforme registro na Junta Comercial do RJ. Esse montante equivale a 0,14% dos R$ 69 milhões (item 26.10) de capital social mínimo exigido pelo edital.
De acordo com os especialistas ouvidos pela reportagem, a empresa deveria ser desclassificada da concorrência por conta de irregularidade, como está previsto no artigo 41 da Lei de Licitações.
“Art. 41 da Lei das Licitações 8.666: A Administração não pode descumprir as normas e condições do edital, ao qual se acha estritamente vinculada.”
As informações foram retiradas de documentos públicos obtidos pelo G1na Receita Federal, na Junta Comercial do RJ, no portal de compras públicas da Prefeitura e no Diário Oficial do Município. A Prefeitura do Rio afirma que a licitação aconteceu segundo o previsto pelo edital aprovado pelo Tribunal de Contas do Município. E a Rio Motorpark diz que “obedeceu as normas legais aplicáveis e obteve a aprovação dos respectivos órgãos fiscalizadores”.
O presidente da Rio Motorpark Holding S.A, que ganhou a licitação, é José Antonio Soares Pereira Júnior. Ele também é sócio da Crown Assessoria e Consultoria Empresarial S.A, responsável por elaborar estudos que deram origem ao edital.
No dia da abertura dos envelopes da licitação — que só teve uma concorrente — a Rio Motor Park enviou como representante Jeferson Sidnei Santos Salles, que é diretor-presidente da Crown Assessoria.
O edital prevê o pagamento de até R$ 7,1 milhões à Crown “relativo aos custos incorridos na preparação dos estudos que embasaram a presente concessão administrativa”.
A Rio Motorpark ganhou o direito de construir e explorar um autódromo em um terreno de 4,5 quilômetros de extensão, cedido pelo Exército em Deodoro, na Zona Norte da cidade. O contrato de concessão é válido por 35 anos e tem valor estimado em R$ 697 milhões.
Empresa não se enquadra em critério
O edital exigia que a empresa vencedora tivesse capital social equivalente a 10% do valor estimado do contrato, que é de R$ 697 milhões. Ou seja, R$ 69 milhões.
A Rio Motorpark tem capital social de apenas R$ 100 mil, segundo documento obtido na Junta Comercial do Rio de Janeiro. A empresa foi criada em janeiro deste ano, 11 dias antes da abertura da licitação, e tinha sede no escritório de advocacia de um dos sócios, Luis Fernando Mendes de Almeida Neto.
A reportagem foi até lá no início deste mês e conversou com uma funcionária pelo interfone da sala, em um prédio comercial no Centro do Rio. Ela não sabia dizer se a Rio Motorpark funcionava no local e disse que não estava autorizada a passar nenhum contato. O local é sede de pelo menos outras três empresas, segundo registros na Receita Federal.
Depois da visita da reportagem, a empresa mudou no registro o endereço da sede para outro prédio no Centro do Rio, em um escritório de contabilidade.
A empresa não tem histórico de obras ou projetos conhecidos pelo mercado. Mesmo depois de ter sido declarada vencedora da licitação, não tinha site nem telefone.
Para Peixinho, todos esses detalhes indicam que a empresa é “de papel” e não poderia participar da licitação.
“A questão jurídica da empresa vencedora da licitação demonstra uma fragilidade. É o que se chama muito no meio jurídico de uma ‘empresa de papel’. É uma empresa que não tem uma infraestrutura formada por empregados, um ambiente em que possa atender às pessoas interessadas”, afirma.
“Um capital social de R$ 100 mil diante de um objeto de quase R$ 700 milhões. Esse fato objetivo leva à conclusão que esta empresa não tem a menor condição de participar da licitação e também de cumprir e executar o contrato.
MPF identificou indícios de direcionamento
O Ministério Público Federal (MPF) identificou indícios de direcionamento da licitação e enviou nesta sexta-feira (28) uma notícia-crime para o MP estadual, que é o responsável pelos casos na esfera municipal. O órgão federal pediu a apuração de crime da Lei nº 8.666/93, a Lei das Licitações. O MPF considerou que houve redução das exigências no edital, curto espaço de tempo e divulgação restrita, limitando a entrada de concorrentes.
A Prefeitura do Rio abriu a licitação no dia 28 de janeiro e fez 195 modificações no edital. Na primeira leva, em 4 de fevereiro, três semanas após o lançamento do edital, retirou 34 itens da lista de exigências que deveriam comprovar a capacidade técnica da equipe responsável pela construção do autódromo.
Na listagem, as empresas deveriam comprovar experiência, por exemplo, na elaboração de projetos mais simples, como terraplanagem e estudos de impacto ambiental, a “estrutura para acomodar espectadores em eventos com grandes dimensões” e “circuito de automobilismo em padrão internacional, homologado pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA)”.
Após a mudança, do edital, sobrou apenas uma: “experiência em Administração de autódromos internacionais com padrões compatíveis com os parâmetros definidos por federações de cunho internacional, destinados a competições.”
O edital foi publicado dez dias antes da licitação, que acabou sendo adiada após intervenção do TCM. Também não houve divulgação internacional, apenas no Diário Oficial do Município e em jornais local. Com isso, a competição estaria sendo limitada, já que as empresas que têm experiência na construção e gestão de autódromos internacionais são estrangeiras.
O TCM afirmou que “nenhuma mudança restringiu o caráter competitivo” da licitação. Procurado, o MPRJ ainda não se manifestou.
O MPF tentou suspender a licitação por falta de estudos de impacto ambiental do projeto em área de Mata Atlântica. A concorrência, no entanto, foi realizada antes que a Justiça analisasse o pedido. O MPF já tinha obtido decisão da Justiça proibindo a construção no local.
A escolha pela Floresta do Camboatá para receber o novo autódromo se deu em 2010, com a publicação da lei Complementar 108. À época, um projeto inicial chegou a ser desenvolvido pela prefeitura, mas acabou interrompido uma vez que a Justiça determinou – após ação movida pelo MPF – que qualquer obra na região só pode ser feita com a realização de um Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (Eia-Rima).
Empresa falida, dívida e offshore
Na última quarta-feira (26), o jornal Folha de S. Paulo mostrou que JR Pereira presidiu também a Crown Processamento de Dados, que faliu e acumulou R$ 24,7 milhões de débitos na dívida ativa da União, além de 20 ações trabalhistas. O empresário também está inscrito na dívida ativa com pessoa física, com saldo negativo de R$ 85,5 mil.
Os sócios da Rio Motorpark assinaram, em junho do ano passado, um acordo preliminar com com a empresa espanhola Dorna Sports SL, detentora dos direitos comerciais para o esporte de motociclismo da MotoGP. O acordo, segundo o anúncio na época, previa a realização de um GP de motociclismo no autódromo do Rio em 2021.
Na época, eles ainda não haviam aberto a Rio Motorpark. Só havia a Rio Motorsports, uma empresa offshore sediada no estado norte-americano de Delaware, que tem uma legislação que protege o anonimato dos sócios de empresas.
A companhia foi aberta no dia 25 de junho de 2018. Uma semana depois do anúncio do acordo com a Dorna Sports.
O que diz a prefeitura
Em nota, a prefeitura do Rio afirmou:
“Com relação aos questionamentos a respeito do processo de licitação do Autódromo, a prefeitura esclarece:
- A licitação aconteceu segundo o previsto no edital;
- O edital resultou de uma PMI [Procedimento de Manifestação de Interesse] lançada em 2017, com audiência pública em 23/11/18 e foi analisado durante aproximadamente 5 meses pelo Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCM);
- A Comissão de Licitação adotou integralmente todas as orientações sugeridas pelo TCM;
- A Comissão que analisou a única proposta apresentada é formado por técnicos que receberam a documentação para análise na manhã do dia 20 de maio de 2019, encerrando todo o processo no início da noite do mesmo dia;
- Quanto ao terreno no Camboatá, a Lei Complementar n° 108 de 25 de novembro de 2010 determina que a destinação é exclusivamente para a construção do autódromo. O terreno, que pertencia à União, está na fase de cessão para a construção;
- Não haverá aporte do município
- Com relação a qualquer investigação por parte do Ministério Público, não fomos notificados.”
O Tribunal de Contas do Município afirmou que “o edital sofreu algumas modificações durante o período em que estava sendo analisado por esta Corte, nenhuma que restringisse o caráter competitivo do certame”. O órgão afirmou os problemas com a Rio Motorpark “fazem referência ao vencedor da licitação, englobando, portanto, fase posterior ao exame do edital de licitação pelo TCMRJ”.
Com relação à falta de licenciamento ambiental, que é alvo de ação do MPF, o TCM afirmou que “a Lei número 11079, em seu artigo 10, inciso VII, permite a realização da licitação desde que estejam presentes as diretrizes para o licenciamento ambiental, e estas, constavam no edital”
O que diz a empresa
Em nota enviada pela assessoria de imprensa, a Rio Motorsports afirmou: “A Rio Motorsports não foi oficialmente notificada sobre qualquer suposto questionamento do Ministério Público Federal envolvendo o processo de licitação em que lhe foi outorgado o direito de construir e operar um novo autódromo na cidade do Rio de Janeiro. Até que tenha ciência dos fatos, não poderá se pronunciar sobre o assunto. No entanto, a Rio Motorsports reitera sua tranquilidade e absoluta confiança na licitude do processo, que obedeceu as normas legais aplicáveis e obteve a aprovação dos respectivos órgãos fiscalizadores.”
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