Eleição polarizada testa democracia chilena

Fonte: Deutsche Welle (DW)

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Ninguém se atreve a prever o que vai acontecer no Chile. O resultado do segundo turno das eleições presidenciais em que José Antonio Kast, de extrema direita, e Gabriel Boric, da esquerda, se enfrentarão neste domingo (19/12), com propostas opostas, é incerto.

O Parlamento eleito no primeiro turno é equilibrado e deve deixar pouco espaço para extremismos. Mas fato é que dois modelos do país estão em jogo no Chile.

Ambos os candidatos, que na segunda-feira fizeram seu último debate diante das câmeras de TV, já fizeram esforços visíveis para moderar suas posições, procurando atrair o eleitorado centrista para a votação final.

“A questão é quem será capaz de mobilizar os indecisos e a alta porcentagem dos que não votaram no primeiro turno”, diz o analista político Klaus Bodemer, ex-diretor do Instituto de Estudos Latino-Americanos em Hamburgo.

“Temos que ser muito cautelosos. Uma grande parte da sociedade no Chile é conservadora”, aponta. “No final, somente aquele que está mais próximo do centro pode vencer. E isso se aplica a ambos os candidatos”, complementa Bodemer.

Duas visões de país

Dois modelos antagônicos competem nas urnas nas figuras do ex-líder estudantil de esquerda Gabriel Boric e do advogado de extrema direita José Antonio Kast. Independentemente de qual for, o resultado porá fim a 30 anos de alternância política entre os dois blocos de centro que partilharam o governo desde o final da ditadura militar de Augusto Pinochet.

Esse cenário faz desta eleição, juntamente com o referendo por uma nova Constituição de outubro de 2020, a mais importante da história recente do país.

Sistema de saúde universal e ajudas sociais, feminismo e ambientalismo são as bandeiras de Boric, enquanto Kast aposta no discurso anti-imigração, da família tradicional e do neoliberalismo. 

“O problema é que a polarização, que começou antes mesmo da campanha eleitoral, ainda está presente”, diz Michael Alvarez, porta-voz da alemã Fundação Heinrich Böll, que está próxima ao Partido Verde em Berlim.

Referindo-se à candidatura de Kast, ele aponta que “em todos aqueles países onde tal partido de direita iniciou uma campanha de forte polarização, com retórica agressiva, esta polarização foi mantida posteriormente”.

Ele cita os exemplos do Brasil e dos Estados Unidos – e adverte: “O perigo que vejo é que esta polarização será muito difícil de ser curada, e essa é uma tarefa que o espectro político terá que realizar em conjunto”, complementa.

Um moderado e um radical

Segundo Álvarez, que dirigiu a representação da Fundação Heinrich Böll em Santiago por seis anos, “Kast está bem ancorado nas redes do novo direito internacional”. Um novo direito que ele descreve como “radical” e que, em vários países, inclusive na Europa, mostra uma tendência nacionalista em áreas como a cultura e a migração, e se opõe ao multilateralismo. “Eles são ultranacionalistas onde podem ser, onde não entram em conflito com os interesses de uma economia de mercado liberal”, comenta.

Do outro lado do campo está Boric, que seus adversários atacam evocando o fantasma do comunismo. Os paralelos traçados neste caso são com a Venezuela ou a Nicarágua. Bodemer considera que estas são “comparações absurdas”. “Já vimos isso em outros países, na Colômbia, na Bolívia, em todos os lugares onde esse fantasma é evocado quando eles têm medo de não conseguir convencer por seus próprios meios”, ele aponta.

Para Michael Álvarez, a candidatura de Boric é de esquerda moderada. “A verdade é que o Partido Comunista não me incute medo, dentro de uma aliança muito ampla de pessoas que estão apoiando Gabriel Boric. É uma esquerda democrática e reformista que quer mudar as coisas, mas com respeito à estrutura institucional existente”, salienta ele.

Boric, de 35 anos e líder da Frente Ampla, representa a parte da sociedade chilena que quer “mudanças profundas” e que participou nos maciços protestos pela igualdade de 2019: quer melhores pensões, educação, saúde e põe muita ênfase no ambientalismo e no feminismo.

A primeira vez que a maioria dos chilenos ouviu falar dele foi durante as mobilizações estudantis de 2011 a favor de um sistema educativo mais justo e, desde então, conseguiu afirmar-se como “um líder forte” da esquerda.

O caso de Kast é diferente: católico fervoroso e pai de nove filhos, o candidato de extrema direita parte de um clã familiar que teve laços políticos com a ditadura de Pinochet, um regime com o qual se mostrou complacente em diversas ocasiões, e é mais favorável à manutenção do statu quo e da colocação dos valores conservadores e da família no centro de tudo.

É contra o casamento gay, o aborto em quaisquer circunstâncias e propõe escavar uma vala na fronteira para impedir a entrada de imigrantes, o que faz recordar o controverso discurso do ex-presidente americano Donald Trump.

Segundo as últimas sondagens, Boric é o favorito para suceder o conservador Sebastián Piñera em março de 2022, com entre cinco e 14 pontos percentuais de vantagem sobre o adversário.

O processo constituinte

Outro dos aspetos fundamentais será o futuro do processo constituinte, que começou em julho passado como via política para amainar a crise social de 2019: Boric tem mais espírito de cooperação, Kast é um cético da mudança constitucional e votou contra no referendo. 

O novo governo desempenhará um papel fundamental nesse processo, porque terá a seu cargo aspectos administrativos e orçamentais e poderá mesmo condicionar o resultado do referendo final de 2022, no qual os cidadãos chilenos deverão pronunciar-se sobre se aprovam ou não a nova Constituição do país. 

“Será muito importante para o Chile, qualquer que seja o governo, garantir o funcionamento ordenado e o processo democrático da Assembléia Constituinte”, opina Alvarez.

Em sua campanha, Boric, por exemplo, aborda pontos-chave que geraram a explosão social de 2019, o que levou a este processo constituinte.

“Estamos falando de pontos como um sistema de saúde pública pagável para todos – um modelo que temos em todos os países da Europa – uma educação pública, sem fins lucrativos e sem custos, para todos – que também temos em quase todos os países da Europa”, ressalta o porta-voz da Fundação Heinrich Böll.

“Sempre pode haver uma facção que descobre que a Constituição não vai suficientemente longe, que o perigo existe”, admite Bodemer, temendo que possa haver turbulência que atrapalhe um possível governo bórico. Entretanto, ele considera mais provável que haja novos protestos se Kast vencer. “É muito difícil prever o que vai acontecer”, diz ele. Em qualquer caso, o Chile que emergirá dessa eleição será outro.

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