Valor Econômico
O Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre querosene de aviação (QAV) está no centro do que Estados consideram uma nova guerra fiscal. A disputa por redução de alíquotas sobre querosene generalizou-se entre os entes e é a mais acirrada desde que houve a convalidação dos incentivos e foi, simultaneamente, vedada aos Estados a concessão de novos benefícios.
Atualmente um convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) permite a redução de ICMS sobre QAV para 13 Estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Sergipe. Alguns entes chegam a cobrar ICMS de 3% sobre QAV com base no convênio.
Em reunião do Confaz, na quinta-feira, um grupo de pelo menos seis Estados – Goiás, Rio Grande do Norte, Maranhão, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo – solicitou a adesão ao convênio. O Distrito Federal propôs alíquota mínima de 7%. Sem consenso, todas as solicitações foram rejeitadas, afirma Rafael Fonteles, secretário da Fazenda do Piauí e coordenador dos Estados no Confaz.
Para Carlos Eduardo Xavier, secretário do Rio Grande do Norte, diz que a questão ficou muito longe do consenso. Ele classifica as rejeições como “absurdas” e diz que o tema criou uma “situação constrangedora”. Segundo ele, desde o início do ano levou à pauta do Confaz o pedido de adesão do governo potiguar ao convênio do QAV. “Não conseguimos durante todo esse tempo evoluir nessa negociação. Os Estados que estão no convênio não querem a entrada dos demais.”
Xavier argumenta que o convênio é importante para que o Rio Grande do Norte consiga selar um acordo com as companhias aéreas para atrair novos voos ao Estado. “Enquanto isso não for resolvido, vamos travar todas as discussões no Confaz, vou pedir vistas de tudo”, diz ele, mencionando que a estratégia deve ser compartilhada por outros Estados que também querem aderir ao convênio. O Estado, segundo Xavier, cobra ICMS de 12% sobre QAV, na regra geral. Um decreto estadual, explica ele, chega a prever alíquota de 3%, mas ela não é aplicada porque exige como contrapartida requisitos que nenhuma companhia aérea cumpre no Estado no momento.
George Santoro, secretário da Fazenda de Alagoas, diz que a questão do QAV é complexa e resulta num redesenho da malha aérea do Brasil, com impactos no turismo e na economia dos Estados. “O assunto merece tratamento mais equilibrado e estudo mais acurado das repercussões. Mas houve tentativa de votar o assunto açodadamente. E, com o movimento de São Paulo querendo aderir, o que possibilitaria ao Estado reduzir em sete pontos percentuais a sua carga no QAV, fica difícil qualquer Estado se sentir tranquilo”, diz ele. Santoro reconhece que a iniciativa de São Paulo não viola a legislação, mas, segundo ele, tem grande repercussão econômica sobre os demais locais.
O Estado de São Paulo anunciou em fevereiro a redução de 25% para 12% do ICMS sobre QAV. Paralelamente ao pedido de adesão ao convênio do Confaz, o governo paulista enviou à Assembleia Legislativa um projeto de lei propondo a alíquota menor a partir do próximo mês.
A Lei Complementar 160/2017 permitiu aos Estados a convalidação dos incentivos irregulares de ICMS existentes anteriormente e proibiu a oferta de novos incentivos. Mas a mesma lei deixou uma brecha ao permitir que os entes federados façam a chamada “cola”, que é a possibilidade de reproduzir reduções do imposto oferecidas por Estados da mesma região.
Em nota, a Secretaria da Fazenda de São Paulo diz que a medida visa equalizar a alíquota do Estado com as já aplicadas por outros, como Rio Grande do Sul (7%), Minas Gerais (4%) e Paraná (12%). O objetivo, diz a Fazenda, é estimular investimentos e gerar empregos. A ação do governo paulista, salienta a nota, vai na contramão de qualquer guerra fiscal. “A iniciativa ajuda a recuperação da atividade econômica em todo o país”, diz. São Paulo tem hoje a maior alíquota de ICMS sobre QAV, de 25%. Segundo ofício do projeto de lei enviado à Assembleia, das 27 unidades da federação, 18 praticam alíquotas de até 12%.
Para Cristiane Schmidt, secretária da Fazenda de Goiás, um dos Estados que querem entrar no convênio, a iniciativa paulista fez muita diferença no cenário. “Por causa de São Paulo, todos querem aderir para ter a possibilidade de entrar na guerra se precisarem. Isso é uma estratégia kamikaze”, diz ela. “Todos juntos, de mãos dadas para o fundo do poço por causa da guerra iniciada por São Paulo, o Estado mais rico do país. Fazem isso dentro da total legalidade, mas, ao meu ver, com grande irresponsabilidade e pouquíssimo pensamento na federação e em suas desigualdades regionais.”
Xavier, do Rio Grande do Norte, não vê muita relação entre a iniciativa de São Paulo e a dificuldade em resolver o assunto dentro do Confaz. Para ele, há uma resistência dos Estados que já aproveitam o convênio, o que, segundo ele, cria condições desiguais. “É uma guerra fiscal do QAV. A guerra está posta, mas nem todos podem guerrear.”
Não é a primeira vez que o Estado de São Paulo, já sob gestão do governador João Doria, enfrenta reação negativa de outros Estados a um incentivo fiscal no Confaz. Em março, o secretário da Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, questionou, em reunião do conselho, regime especial pelo qual o governo paulista permitiu o diferimento do ICMS em operações de fornecimento de matériasprimas e insumos para estaleiros.
Segundo Padilha argumentou à época, o incentivo visava aumentar a competitividade de consórcio de São Paulo em licitação de US$ 1,6 bilhão para a construção de quatro corvetas da Marinha. O incentivo, disse Padilha, criou “concorrência desleal”, o que prejudicaria os demais consórcios, inclusive o liderado por estaleiro pernambucano. A licitação foi vencida por consórcio catarinense.
Na época, Milton Luiz de Melo Santos, secretário-adjunto da Fazenda e Planejamento de São Paulo, defendeu o incentivo, que, segundo ele, foi concedido porque poderia propiciar o início da atividade de construção de corvetas no Estado, gerando empregos e renda. Segundo ele, São Paulo replicou na época incentivo concedido pelo Rio de Janeiro, seguindo o que foi possibilitado pela Lei Complementar 160/17.