O presidente Jair Bolsonaro (PSL) mudou seu discurso e retirou a carta branca prometida ao ministro Sergio Moro (Justiça).
A recente interferência na Polícia Federal é apontada internamente como a mais emblemática da falta de poder do ex-juiz no cargo atual, mas episódios com teor semelhante se acumularam ao longo de mais de oito meses do governo Bolsonaro.
Apesar dos ataques à sua prometida autonomia, Moro permanece calado.
Quando confirmou o convite, em novembro de 2018, Bolsonaro disse em entrevistas que tinha combinado com Moro que ele teria “liberdade total” para o combate à corrupção e ao crime organizado.
Em uma das manifestações, o então presidente eleito citou a escolha do chefe da Polícia Federal como uma das atribuições do ministro da Justiça.
Os últimos oito dias foram de crise entre Bolsonaro, Moro e a PF, após o presidente atropelar a instituição e anunciar a troca do superintendente no Rio de Janeiro.
Em sua última declaração sobre o assunto, na última quinta-feira (22), o presidente ameaçou até trocar o comando do órgão, hoje a cargo de Maurício Valeixo.
A PF é subordinada ao Ministério da Justiça, e Valeixo virou chefe por escolha de Moro. Os dois se conhecem há vários anos e trabalharam juntos na Operação Lava Jato.
“Agora há uma onda terrível sobre superintendência. Onze [superintendentes] foram trocados e ninguém falou nada. Sugiro o cara de um estado para ir para lá: ‘Está interferindo’. Espera aí. Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral”, afirmou Bolsonaro.
“Se eu trocar hoje, qual o problema? Está na lei que eu que indico, e não o Sergio Moro. E ponto final”, completou.
Antes, Moro havia sido atropelado por Bolsonaro em pelo menos outros cinco casos, desde a ordem de revogação da nomeação de uma suplente para um cargo de conselho vinculado ao ministério até a demissão de um dos seus maiores aliados, o presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
Entre colegas do ministro da Justiça, ninguém consegue apontar vitórias que ele tenha tido entre quedas de braço com o presidente.
Em meio à crise com a polícia, Jair Bolsonaro foi claro no recado: “Quem manda sou eu”, afirmou.
Quando Moro aceitou seu convite para largar 22 anos de carreira de juiz federal e assumir o Ministério da Justiça, o presidente lançava mão de outro discurso.
“Eu conversei com ele [Moro] que ele terá tanto a liberdade para escolher todos os que comporão seu segundo escalão, como o chefe da Polícia Federal, aquele que vai cuidar da segurança [também]”, afirmou Bolsonaro em uma das entrevistas.
“Ele [Moro] expôs o que ele gostaria de fazer caso seja ministro, e eu concordei com 100% do que ele propôs. Ele [Moro] queria uma liberdade total para combater a corrupção e o crime organizado”, afirmou em outra ocasião.
Em outro momento, o presidente chegou a falar que Moro teria “muito mais poderes” em Brasília do que como juiz para perseguir o objetivo de combate à corrupção e ao crime organizado.
A primeira derrota do ministro ocorreu logo nos primeiros dias de governo, com a edição do decreto das armas, em que teve suas sugestões ignoradas pelo presidente. Embora tenha saído do seu ministério, o texto nunca foi bancado de fato por Moro.
Em fevereiro, teve de revogar a nomeação da especialista em segurança pública Ilona Szabó de Carvalho como membro suplente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
A escolha de Szabó para compor o órgão —um cargo voluntário e sem funções executivas no governo— foi acompanhada de uma campanha crítica de apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais. Um dia depois, pressionado pelo presidente, Moro teve de voltar atrás.
No segundo trimestre de governo, o ministro da Justiça começou a ter sucessivas derrotas com seu projeto anticrime, que não teve apoio total do presidente até agora.
Em entrevistas, Bolsonaro chegou a dizer que Moro não tem mais a caneta que tinha como juiz e que teria de esperar um pouco para trabalhar o texto na Câmara.
Outro revés recente ocorreu com uma nomeação ao Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Sua indicação não foi aceita e ele soube da notícia pela imprensa.
Moro também perdeu o Coaf de volta para o Ministério da Economia. Embora a decisão tenha sido do Congresso, o Palácio do Planalto não fez esforço para ajudar a manter o órgão em sua pasta.
Em seguida, o ministro viu um dos seus principais aliados da Lava Jato, o auditor Roberto Leonel, nomeado por sua vontade como presidente do Coaf, ser exonerado, com a transferência do órgão ao Banco Central.
A Folha questionou a assessoria do Planalto se o presidente mudou de opinião em relação à liberdade total que dissera que concederia a Moro e por qual motivo. A reportagem não obteve respostas.
O ministro também foi procurado. Questionado se ele considera que perdeu a carta branca que lhe havia sido prometida, o ministro não respondeu.
O silêncio de Moro diante dos sucessivos movimentos de interferência de Bolsonaro na PF tem causado estranheza na cúpula do órgão.
Nos dias seguintes após a primeira manifestação do presidente, no último dia 16, o ex-juiz não deu nenhuma declaração sobre esse assunto e tentou, por meio de interlocutores, passar a impressão de que estava distante do problema.