Uma mulher trans conseguiu na Justiça o direito de registrar seu filho como mãe biológica. Antes da sentença, ela não era reconhecida como genitora de sangue, apesar de ter participado da concepção do filho e de a criança ter seu DNA. As informações são do jornal Gaúcha ZH.
De acordo com a bióloga e mestranda em sociologia Ágata Vieira Mostardeiro, 27 anos, ela conheceu a ex-companheira quando ainda era do sexo masculino. Ela começou o tratamento hormonal para transicionar para o gênero feminino após a concepção de Bento, hoje com dois anos, e do início da gravidez da então companheira.
Ágata também alterou os documentos em cartório para ser reconhecida pelo Estado como mulher. A partir de então, não tinha mais documentos com o antigo nome, masculino. Após o nascimento de Bento, ela foi impedida de registrar o filho como mãe biológica.
No documento, ela aparecia como mãe socioafetiva (adotiva). À época, as duas aceitaram, a contragosto, registrá-lo assim para incluir o filho no plano de saúde.
Conforme Ágata, a Declaração de Nascido Vivo, assinada às pressas no hospital, apontava a trans como “companheira” da mãe da criança. Quando foram ao cartório para fazer o registro civil do filho, a instituição informou que era necessária uma comprovação de inseminação in vitro, o que não era o caso da família, ou que o documento apontasse que Bento era filho de mãe solteira.
“Exigências discriminatórias”
Ágata relata que para aparecer como mãe biológica no registro o Fórum de Canoas, no Rio Grande do Sul, exigiu que ela fornecesse atestado médico provando que era do sexo masculino antes da concepção (ou seja, que estava fisicamente apta para engravidar a companheira) e que a mãe que gestou Bento declarasse que ambas haviam tido relação sexual.
A família considerou as exigências discriminatórias e entrou na Justiça. “Isso é uma afronta à dignidade de pessoas. Ninguém no Brasil precisa mostrar o pênis para registrar o filho”, disse Ágata ao Gaúcha ZH.
“Esse caso do Rio Grande do Sul é especial porque quem forneceu o material genético passou pela transição depois da concepção. O parentesco sempre foi biológico, a questão era mais respeitar o gênero”, afirma a professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Vivianne Ferreira.
Na decisão do dia 18 de agosto, o juiz Nilton Tavares da Silva, da 5ª Vara de Família do Foro Central de Porto Alegre, escreveu que “a verdade biológica sempre que possível deve constar no assento de nascimento da criança, pois, como sabido, todo e qualquer ato registral deve primar sempre que possível por retratar a realidade dos fatos”.