O governo Jair Bolsonaro (PSL), por meio do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), conseguiu decisão favorável da Justiça Federal para despejar, em Caruaru, interior de Pernambuco, o maior centro de formação nordestino do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
O governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), que faz parte do bloco nordestino de oposição a Bolsonaro, tenta evitar a execução da sentença e já informou que não pretende usar a força policial para auxiliar na reintegração de posse, caso não se encontre uma saída.
“A orientação do governador é para que não ocorra conflagração, que este processo não seja executado”, diz o líder do governo na Assembleia Legislativa de PE, deputado Isaltino Nascimento (PSB).
O centro de formação, batizado há 20 anos com o nome do educador pernambucano Paulo Freire, faz parte da área comum do assentamento Normandia. O local conta com três agroindústrias, 52 alojamentos, salas de aula, auditório para 700 pessoas, centro comunitário, quadra esportiva, academia pública para atividades físicas, creche e refeitório.
Há duas semanas, o MST montou acampamento no local com 1.500 pessoas e espera dobrar a quantidade até o final desta semana. “Vamos resistir”, disse Jaime Amorim, um dos coordenadores nacionais do movimento.
O processo tramitava desde 2008 e foi transitado em julgado contra o MST no final de 2017. Em agosto passado, 20 dias após ser nomeado superintendente do Incra em Pernambuco, o coronel da PM Marcos Campos de Albuquerque solicitou que a Justiça Federal ordenasse o cumprimento da sentença.
O juiz da 24º Vara Federal Tiago Antunes de Aguiar acatou o pedido e deu prazo de 30 dias, a contar da notificação, para desocupação espontânea da área. Em seguida, após reuniões com representantes do governo estadual e deputados federais da comissão de direitos humanos da Câmara, o magistrado concedeu 10 dias para posicionamento oficial do Incra.
O prazo final é 10 de outubro, e o juiz determinou uso da força policial para cumprimento da medida. O Incra, diferentemente do que afirma o MST, alega que as construções na área comum do assentamento foram feitas sem a anuência do órgão federal.
O local é considerado o coração do movimento social na região por já ter formado, em parcerias com universidades federais e estaduais, mais de 8.000 pessoas só em cursos de graduação e pós-graduação.
A fazenda, com 556 hectares, foi invadida pelo MST em maio de 1993. Em abril de 1996, após greve de fome que durou 10 dias, uma equipe do Incra de fora de Pernambuco vistoriou o local e emitiu laudo atestando que o imóvel era improdutivo.
Um ano depois, o Incra concedeu a posse da área a 41 famílias. Posteriormente, o imóvel virou oficialmente um assentamento. Cada lote tem 10 hectares.
O líder dos sem-terra Jaime Amorim conta que, na época, a única orientação do Incra era para que as famílias dos assentados não utilizassem a casa grande. “Mas nos orientaram a destinar parte do assentamento para fazer capacitações. E foi isso que nós fizemos, tudo com a concordância deles.”
Após a formalização de duas associações, uma para cuidar do assentamento e outra para gerir o centro de formação, a área, além dos lotes individuais, foi dividida. Há uma agrovila (15 hectares), onde moram as famílias até hoje, uma reserva florestal (105 hectares), uma área para produção coletiva gerida por uma cooperativa (20 hectares) e o Centro de Formação Paulo Freire (14 hectares).
O movimento doou 0,7 hectare para a diocese de Caruaru porque havia uma igreja no local.
O processo administrativo teve origem logo depois que o imóvel virou assentamento. Quatro famílias de assentados acionaram o Incra por se sentirem prejudicadas pela construção do centro de formação na área de acesso do assentamento.
“O que aconteceu é que não demos bola, não atuamos no processo e perdemos em todas as instâncias. Não atuamos porque o próprio presidente nacional do Incra veio aqui em 2008 e disse para não nos preocuparmos que a questão seria resolvida administrativamente”, afirma Jaime Amorim.
Segundo o secretário de Agricultura de Pernambuco, Dilson Peixoto, o estado aceita receber a área numa solução negociada com o Incra. “Se, no final, existir realmente uma obrigatoriedade a partir de uma decisão judicial para cumprimento da sentença, a gente vai ter que debater, com o juiz seja lá com quem for, o nosso papel.”
Na sexta-feira passada (20), a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, encaminhou ofício à presidência do Incra pedindo um solução conciliatória e pacífica. Ela fez um histórico do assentamento e lembra que o local cumpre sua função social.
Por meio de nota, o Incra lembra que a ação é de 2008 e foi instituída porque houve na área de domínio coletivo dos assentados a edificação do centro sem autorização do Incra. “Cumprida a ordem judicial, o Incra procurará regularizar a área na forma da legislação vigente, a fim de promover benefícios a todos os assentados”, diz. Não há detalhamento do que será feito na área.
FOLHAPRESS