Diego Garcia | Italo Nogueira
A Polícia Civil do Rio de Janeiro investiga a relação entre a milícia de Rio das Pedras e o aplicativo exclusivo de transporte criado na favela.
A ferramenta comunitária, revelada pela Folha, é turbinada pela ameaça a motoristas de outros apps que acessam o bairro. O domínio é tamanho que a Uber decidiu vetar chamadas originadas em Rio das Pedras.
A Draco (Delegacia de Repressão ao Crime Organizado) apura se os responsáveis pelo aplicativo têm vínculos com a quadrilha que atua no local. A unidade está intensificando a apuração sobre o braço financeiro das milícias.
O serviço RP Driver, como é chamado, existe há pelo menos um ano. Até março, era acionado em um grupo de WhatsApp. Há dois meses, foi criado um aplicativo para automatizar a demanda.
O app foi desenvolvido pela Driver Machine, que faz plataformas de transporte personalizadas em todo o país para grupos de motoristas que tentam fugir das taxas dos grandes serviços —a empresa diz que os contratos a impedem de divulgar dados de clientes.
Investigadores ouvidos pela Folha desconheciam o aplicativo. Afirmam que um serviço do tipo dificilmente é oferecido sem participação ou anuência paga da milícia.
A Folha tentou contato com representantes do app, mas eles não responderam a telefonemas nem a mensagens.
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A ferramenta é oferecida também na favela da Muzema e em outras comunidades da região, todas dominadas pela mais antiga milícia do Rio, chefiada, segundo o Ministério Público, pelo ex-policial militar Adriano da Nóbrega.
Foragido há cinco meses, Nóbrega foi companheiro no 18º Batalhão da PM de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) sob investigação, e teve a mãe e a mulher nomeadas no gabinete do senador quando este era deputado estadual no Rio. Durante o mandato de Flávio, o ex-PM chegou a ser condecorado com a Medalha Tiradentes pelo então deputado.
Ao tentar pedir um motorista pela Uber em pontos movimentados de Rio das Pedras, a Uber afirma que o serviço não está disponível. “Peça de locais acessíveis e para locais acessíveis”, diz a mensagem.
Em nota, a empresa diz que “para aumentar a segurança de motoristas parceiros e usuários, nosso aplicativo pode impedir solicitações de viagens de áreas com desafios de segurança pública em alguns dias e horários específicos”.
“A Uber tem adotado no Brasil a tecnologia de ‘machine learning’ para identificar riscos com base na análise, em tempo real, dos dados das milhões de viagens realizadas diariamente por meio do aplicativo e bloquear as viagens potencialmente mais arriscadas”, diz.
Outros aplicativos, como o 99, aceitam chamados da região. Mas, segundo relatos, os motoristas não vão até o local temendo represálias.
A empresa Driver Machine, que elaborou o RP Driver, disse que tem como objetivo “democratizar a tecnologia para quem quer empreender em mobilidade urbana”.
“Cada cliente conduz o negócio de maneira independente, configurando tarifas, modo de operação e atendimento aos passageiros e motoristas. Nós somente fornecemos a tecnologia, ou seja, não somos proprietários dos aplicativos”, diz a empresa em nota.