Ceará-Mirim

Figurinhas viram febre nos celulares e inspiram debates sobre o futuro da comunicação

Sticker popular no Whatsapp: 'A que ponto chegamos' Foto: Reprodução / Arte

Sticker popular no Whatsapp: 'A que ponto chegamos' Foto: Reprodução / Arte

 Jan Niklas e Luiza Barros | O Globo

A que ponto chegamos. Medidas devem ser tomadas. Passada. Se você lê este texto e já pensa num motorista de ônibus, numa régua ao lado de uma tomada e numa mulher com um ferro de passar, não pode negar. Já foi dominado pelas figurinhas que andam inundando o WhatsApp . Se você usa, repassa e cria suas próprias figurinhas, o caso é mais sério. Mas, afinal, a que ponto chegamos? Bem… a um novo ponto, sem dúvida.

Febre do momento, as figurinhas (ou stickers , em inglês) são o exemplo mais recente de como a tecnologia anda criando ferramentas para nos comunicarmos — ou nos trumbicarmos.

Figurinha 'Passada' Foto: Reprodução
Figurinha ‘Passada’ Foto: Reprodução

Ao lado dos emojis, elas seduzem por serem divertidas, fofas, criativas. Mas também por preencherem lacunas da linguagem verbal.

— A escrita sempre tentou trazer um pouco da oralidade, usando sinais como o ponto de exclamação e reticências. Mas, nesse aspecto, sempre foi limitada — reconhece a professora da Faculdade de Letras da UFMG Vera Menezes. — Com emojis e stickers, você transmite com facilidade a ironia, a brincadeira.

O recurso de enviar imagens nos bate-papos virtuais existe desde que eles se popularizaram, nos anos 1990. Mas ganhou sua forma atual em 2015, quando o aplicativo de chats Telegram permitiu aos usuários com alguma desenvoltura digital criar suas próprias figurinhas. De olho no sucesso do concorrente, o WhatsApp adotou o mesmo recurso no fim do ano passado. Resultado: em 2019, você pode ser surpreendido por uma figurinha gaiata enviada de quem menos se espera.

Stickers Foto: Reprodução / Arte

Foi o que aconteceu durante a produção desta reportagem. Ao receber nosso pedido de entrevista pelo WhatsApp, o professor de Comunicação e Informação da UFRGS Alex Primo respondeu com uma imagem de sua filha de 8 anos fazendo um sinal de “joinha”. A figurinha foi feita pela própria menina. Em resposta, enviamos um He-Man piscando. Primo usa a própria interação para explicar como as figurinhas estreitam laços:

— Quando mandei o sticker, quis dizer “ok, faremos nossa entrevista às 11h”. Quando você me respondeu com o He-Man, eu já aprendi que compartilhamos um universo simbólico comum — analisa Primo. — Aquilo mobilizou uma questão afetiva que, através de texto, demandaria mais tempo. Nós pulamos etapas e aceleramos o desenvolvimento de um relacionamento entre duas pessoas que não se conhecem.


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Stickers: as figurinhas Foto: Reprodução

Para quem já está atacando o modismo, com medo de que esse tipo de “atalho”, ao substituir textos digitados, possa empobrecer a língua portuguesa, a professora Vera Menezes pede calma. E lembra que qualquer nova forma de se comunicar surge cercada de desconfiança. Ela argumenta que, na Antiguidade, o próprio advento da escrita recebeu críticas. Platão, por exemplo, temia que o hábito de escrever afetasse nossa capacidade de memorizar.

Stickers usados em aplicativos de mensagens Foto: Reprodução / Arte

O próprio presidente da Academia Brasileira de Letras, Marco Lucchesi, já se rendeu às figurinhas e aos emojis. Para ele, esses recursos em nada impedem formas de comunicação mais tradicionais.

— O fato é que precisamos trabalhar com todas as modalidades, desde as mais intensas, como a alta literatura, até um repertório que nos liga ao mundo pela internet — diz o imortal. — Não é uma guerra de uma linguagem contra a outra.

Pode ser, então, que emojis, stickers e memes adentrem a literatura? De certa forma, já está acontecendo: em 2013, a Biblioteca do Congresso americano incluiu em seu acervo “Emoji Dick”, versão do clássico “Moby Dick” de Herman Melville (1819-1891), com um detalhe: escrita só com emojis.

Stickers Foto: Reprodução / Arte

O  caso, porém, é mais anedótico do que indício de que, no futuro, iremos “falar” assim. Para a linguista britânica Caroline Tagg, da Open University, nem mesmo a popularização de áudios e vídeos pelo celular ameaça o uso da escrita:

— Diferentes recursos cumprem diferentes funções. Recursos não verbais são complementos da linguagem verbal, e não substitutos. O que estamos vendo agora é um aumento no repertório das pessoas.

É também o que pensa o pesquisador Philip Seargeant, autor de “The emoji revolution” (“A revolução do emoji”, livro a ser lançado em julho no Reino Unido). Ele defende que a linguagem verbal ainda é o sistema de comunicação mais flexível que temos e, por isso, não vai desaparecer:

— A alfabetização não está ameaçada pela comunicação moderna. Estamos lendo mais do que nunca, e ainda adquirindo habilidades que misturam visual e verbal.

Seargeant antecipa que já há estudos com engenhocas que nos permitiriam conversar diretamente a partir de nossos cérebros. Não sabemos como serão essas conversas — mas certamente alguém há de inventar piadas dentro delas.


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