Em 2015, fui alvo de delação premiada. Fui acusado de ter uma dívida de serviços gráficos não declarada à Justiça Eleitoral quitada por uma empreiteira com recursos de caixa dois.
O assunto foi, por três anos, exaustivamente debatido pela imprensa. Em 2018, fui denunciado. Escrevi um artigo nesta Folha, “Questão de honra” (16/5/2018), narrando todos os fatos que seriam demonstrados no curso do processo que levariam à minha absolvição.
No artigo, tratei da decisão tomada no início da minha administração, quando suspendi contrato de construção do túnel Roberto Marinho, por suspeita de superfaturamento, semanas antes do pagamento feito à gráfica, decisão que contrariava os interesses do delator.
Tratei também do depoimento do dono da gráfica de que os serviços pagos pela empreiteira tinham sido encomendados pelo Diretório Estadual do PT e não estavam relacionados à minha campanha, para a qual os pequenos serviços prestados haviam sido declarados e pagos com recursos regularmente arrecadados.
Estes fatos foram corroborados por depoimentos de secretários municipais, de funcionários da gráfica e de dirigentes do próprio partido que, de forma determinada, confirmaram a origem da encomenda dos serviços gráficos.
Provei que o delator estava mentindo, mas o juiz, para minha perplexidade, me condenou por algo que sequer fui acusado.
No que me diz respeito, depois de afastar a hipótese de corrupção, improbidade ou qualquer crime doloso, o juiz, contrariando todos os depoimentos, entendeu que nenhum serviço gráfico havia sido prestado, nem para o diretório estadual (não declarados) nem para a minha campanha (declarados), tomando como base a evolução da conta de energia elétrica da gráfica.
Mesmo sendo réu primário, fixou a pena em quatro anos e meio de prisão, quando o limite máximo é de cinco anos, pelo simples “desinteresse” em checar notas correspondentes a 0,5% das despesas da minha campanha.
Vejam que a acusação de receber vultosos recursos de caixa dois para pagar serviços gráficos não declarados —hipótese afastada pelo juiz— se transformou, em função de um frágil elemento de convicção, em condenação por pequenos serviços declarados e supostamente não realizados, pagos com recursos lícitos. Uma inversão, no mínimo, extravagante: pagar notas frias com dinheiro quente.
Um trabalho bem-sucedido de quatro anos para desmentir o delator caiu por terra por teoria estranha à própria linha de argumentação da promotoria, inclusive nas alegações finais.
A injustiça é como uma bala perdida que fere a alma. Não me impedirá de caminhar ereto e lutar pela verdade.
Fernando Haddad
Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.