Evelin Azevedo e Flavia Martin | O Globo
Rio — Um novo estudo sobre odesenvolvimento neurológicode crianças cujas mães foram infectadas pelo vírus da zika mostrou que duas delas, nascidas com microcefalia durante a epidemia no Rio de Janeiro, em dezembro de 2016, conseguiram reverter o quadro. Uma delas desenvolveu circunferência no tamanho normal da cabeça e a outra foi submetida a uma cirurgia craniana, ambas registrando desenvolvimentos neurológico, de linguagem e motor considerados normais.
— Não temos dados pra explicar por que isso se deu, mas existe a teoria da neuroplasticidade, que é a capacidade do ser humano de reorganizar suas vias de transmissões cerebrais e passar a fazer tarefas que antes estavam prejudicadas — explica o obstetra José Paulo Pereira Junior, gestor da maternidade do Instituto Fernandes Figueira e um dos autores da pesquisa, publicada nesta segunda-feira na revista científica “Nature Medicine”.
Conduzido por pesquisadores da Fiocruz junto a especialistas da Universidade da Califórnia, nos EUA, além de austríacos e alemães, o levantamento acompanhou 216 crianças nascidas de mães infectadas pelo arbovírus. Durante a pesquisa, as crianças foram acompanhadas desde a infecção da mãe, no pré-natal, até o terceiro ano de vida, e nelas foram conduzidos testes para avaliar as capacidades neurológicas, cognitivas e motoras, além de medições de audição e visão.
Dentre todas as crianças observadas, apenas oito haviam nascido com microcefalia. Ao contrário das duas que conseguiram reverter o quadro, outras duas nasceram sem o diagnóstico da microcefalia, mas vieram a apresentar o quadro depois.
— Situações como essa eram previstas. Isso aconteceu principalmente em crianças cujos casos de infecção das mães ocorreu tardiamente (no fim da gestação) . Quando nasceram, elas não tinham grandes alterações decorrentes da zika, mas apresentaram alterações durante o crescimento — afirma Alex Souza, especialista em medicina fetal do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira, de Recife (PE).
Outra descoberta apontada pela pesquisa é que quase a metade das crianças (49%) que apresentaram problemas nas primeiras avaliações, como convulsões e perda muscular, mostrou um desenvolvimento normal no segundo e terceiro anos de vida em um ou mais de um quesitos avaliados: neurológico, oftalmológico ou motor.
— A reversão dos sintomas se deu num contexto de crianças que estão sendo acompanhadas de perto, recebendo tratamentos específicos (na Fiocruz) . Isso não significa que, na população geral de mães que foram infectadas, a taxa de reversão ocorrerá nessa mesma proporção (de 49%)— ressalta José Paulo Pereira Junior.
Sintomas de autismo
Num sentido oposto, um exame normal no nascimento não garantiu um futuro normal no desenvolvimento: cerca de 25% vieram a apresentar algum tipo de comprometimento posteriormente. Nesse grupo estão incluídas três crianças diagnosticadas com sintomas do espectro do autismo no segundo ano de vida.
— Essa relação ainda não tínhamos visto, mas também era algo esperado. O mais preocupante é ver que a incidência nos nascimentos parece ser maior do que na população que não foi infectada pelo zika na gestação — explica Souza.
Multiplicação de casos
O Ministério da Saúde registrou 6.526 casos de zika em todo Brasil de janeiro a 1° de junho deste ano, um aumento de 28% em relação ao mesmo período em 2018 (5.096 casos). Até então, não havia registro de mortes pelo vírus.
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