O candidato democrata à Presidência dos EUA, Joe Biden, moveu uma das mais estratégicas peças no intricado xadrez político do país — movimentou a dama. Trouxe para ser vice em sua chapa uma mulher negra. Ela se chama Kamala Harris, é senadora e tem o costume de pensar no que diz e dizer o que pensa. Aos 55 anos de idade, continua linha-dura na luta contra a criminalidade como o foi quando exerceu a função de procuradora na Califórnia. É a terceira mulher e a primeira negra a se candidatar como vice. A jogada de Biden é mais sofisticada do que parece na corrida para derrotar o presidente republicano Donald Trump, que tentará a reeleição em novembro. Biden quer, com Kamala, atrair votos dos negros, das mulheres e dos imigrantes. Ruim para Trump que não possui votação entre essas representações sociais.
A tática do democrata, no entanto, vai além. Analistas políticos da União Europeia e dos EUA enxergaram a sua tentativa de xeque mate. Digamos assim: o eleitor independente, quer seja democrata ou republicano, pode ser imantado por Kamala. Trata-se da conquista dos votos dos brancos ainda indecisos. Um democrata que não seja de carteirinha do partido, que hesitasse em votar em Biden por considerá-lo muito à esquerda, agora pode ajudar-lhe a eleger delegados no colégio eleitoral porque existe a presença da não tão liberal Kamala. Olhando-se por outro ângulo, um conservador, que também não tenha carteirinha do Partido Republicano e julgue Trump muito reacionário, fica então à vontade, para prestigiar Biden. Ela agrada os dois lados pelo equilíbrio, funciona como uma espécie de freio e contrapeso — além de poder atrair as comunidades que Trump colocou à margem. O chamado quase casamento perfeito já foi, porém, uma ameaça de divórcio: nas primárias, Kamala e Biden rivalizaram. Hoje, compõem uma chapa histórica.
Lance no tabuleiro
Na questão interna à candidatura, Biden, aos 77 anos, já não é nenhuma criança para correr os EUA discursando — fator essencial em uma nação na qual as eleições se dão pelo número de delegados conquistados. Os comícios diminuíram por causa da pandemia, mas ainda são decisivos. Essa andança, para Kamala, ela o faz brincando, com a garra de sempre, calçando os seus inseparáveis tênis Converse. A eleição está ganha para Biden? Nem pensar. O seu lance no tabuleiro político foi de grande mestre, mas os EUA apresentam historicamente um raro fenômeno social: conservadores, sobretudo os empedernidos feito Donald Trump, comparecem em massa às urnas. Já democratas, que lotam as ruas de cidades americanas quando se trata de reivindicar direitos civis, ficam em casa no dia da eleição. Uma das grandes missões de Kamala será animá-los a irem votar.