A Academia Real de Ciências da Suécia anunciou nesta terça-feira, 08 de outubro, os nomes dos laureados do Nobel de Física de 2019. Entre os laureados está o doutor honoris causa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Michel Mayor, da Universidade de Genebra (Unige), na Suíça. Ele recebeu a honraria conjuntamente com o cientista Didier Queloz, também da Unige, pela descoberta de um exoplaneta orbitando uma estrela do tipo solar. O pesquisador James Peebles, da Universidade de Princeton, EUA, também recebeu o reconhecimento por descobertas teóricas em física cosmológica.
Mayor recebeu o título honorífico da UFRN, em 2006, por indicação do físico José Renan de Medeiros, do Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE), de quem foi orientador e compartilhou algumas publicações. Ele também colaborou em estudos com o professor José Dias, também do DFTE.
Para o reitor José Daniel Diniz, o título concedido a Michel Mayor em reconhecimento a sua contribuição para o progresso das ciências, especialmente, da Astronomia e da Cosmologia, foi ainda uma forma de agradecer pelos relevantes serviços que prestou à UFRN, com quem possui parcerias científicas. “É uma grande honra para a UFRN saber que Michel Mayor foi agraciado com o Prêmio Nobel de Física”, destacou.
O professor José Renan conta que conheceu Michel Mayor em 1985 quando foi para Genebra realizar seu doutorado na área de Astronomia. “Desde então, esta relação se transformou em uma grande amizade”, diz. Tanto que, ao longo desses 34 anos, os dois publicaram 17 artigos científicos juntos, sendo o mais importante o que resultou de sua tese que se trata de um catálogo sobre medidas de rotação de estrelas e detecção de multiplicidade entre as estrelas (que observa se existe um companheiro junto à estrela, seja estelar ou planetário). “Esse trabalho é muito citado porque inúmeros estudos para a busca de exoplanetas utilizaram as medidas que nós apresentamos neste estudo”, afirma.
José Renan diz ainda que quando chegou na Suíça, o professor Mayor estava começando a utilizar o “coravel”, instrumento utilizado para acompanhar e analisar a luz das estrelas e ver se essa luz está sofrendo a influência de um companheiro em sua órbita. Este instrumento foi pioneiro neste campo de pesquisa e é o mesmo que ele utilizou na descoberta do exoplaneta. “Tive o privilégio de ser um de seus primeiros estudantes de doutorado e a responsabilidades de ser um dos primeiros que fez a calibração deste instrumento”, reforça.
O professor da UFRN participou também do grupo de observação com este instrumento, localizado no Observatório de Haute-Provence, no sul da França. “Ele começou a fazer medidas utilizando este instrumento e, cerca de 14 anos depois, finalmente pode anunciar a descoberta do primeiro exoplaneta, orbitando a estrela 51 Pegasus. Ele fez esse anúncio em Florença, na Itália, onde, quase quatro séculos antes, Galileu Galilei fez o anúncio de suas descobertas. Eu participei desse momento, no dia 5 de outubro de 1995, junto com minha família”, completa.
Além do nosso sistema
A busca por exoplanetas e uma resposta para o enigma da matéria escura – que na UFRN é pesquisado pelo Instituto Internacional de Física (IIF) – são os dois grandes problemas colocados há mais de 10 anos pelas principais agências espaciais do mundo como os eixos para o futuro da Física.
Outros grupos estavam envolvidos nas primeiras detecções de planetas, mas sem grande sucesso em sua comprovação. Os trabalhos desenvolvidos pelos três pesquisadores ajudaram a comprovar as detecções de planetas em sistemas estelares de nossa galáxia, ao mesmo tempo em que mudaram a compreensão sobre como surgem estes sistemas. Por causa dessas novas visões, hoje sabemos que a maioria dos planetas surgem em situações diferentes das do sistema solar.
De acordo com o professor José Dias, que lidera um grupo de pesquisa em exoplanetas na UFRN, o trabalho do professor Mayor abriu uma nova linha na Física, na qual o estudo das estrelas e sua composição se tornou a chave para descoberta de novos planetas, uma vez que suas atmosferas poderiam ser analisadas através de técnicas como a espectroscopia de transmissão.
O prêmio de 9 milhões de coroas suecas (R$ 3,72 milhões) dado aos homenageados será dividido pela metade meio entre o grupo das universidades de Genebra e Princeton. O professor Dias explica que, paralelamente aos esforços realizados por Mayor e Queloz, a contribuição do professor Peebles foi justamente no campo da detecção de elementos. “Peebles trouxe a observação para a cosmologia. Por muito tempo as pesquisas tinham apenas a sustentação teórica. Ele trabalhou nos elementos químicos das estrelas”, explica Dias.
O pesquisador acredita que este Nobel, que já era esperado por muitos, significará uma maior atenção para a área. “Acho que isso abre os olhos das pessoas para a importância da ciência, mas também para verem que existem cientistas também no Brasil descobrindo novos planetas. Na maior parte das vezes dentro das universidades públicas”, conclui o José Dias.
A UFRN no espaço
Mais de 20 anos depois do anúncio do primeiro exoplaneta, pesquisadores do mundo inteiro se depararam com mais de 4 mil novos planetas extra-solares, o que levou a Ciência a uma nova perspectiva na busca pela inquietante pergunta se há vida além da terra. Neste quadro, pesquisadores da UFRN têm protagonismo importante na colaboração para as novas descobertas.
Nos últimos dez anos, a UFRN conseguiu montar uma estrutura que permite uma associação com grupos internacionais nesta busca interestelar. Em parceria com outras universidades internacionais, o Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE) construiu dois instrumentos que, segundo o cientista José Renan de Medeiros, prometem provocar uma revolução na busca por planetas, sobretudo aqueles parecidos com a terra.
O primeiro deles é um “pente de frequências laser”, cujo objetivo é fazer a calibração dos detectores. Este instrumento está pronto e sua construção foi conduzida por um consórcio constituído pela UFRN, Instituto de Astrofísica de Canárias, em Tenerife (Espanha), Instituto Max Planck, em Munique (Alemanha) e o Observatório Europeu para o Hemisfério Sul (ESO). A expectativa da comunidade científica é que ele ofereça as precisões das medidas na detecção de um planeta com as mesmas semelhanças do nosso, capaz de abrigar vida.
Em paralelo, devido ao sucesso na construção deste “pente”, o grupo da UFRN, constituído pelos professores José Renan, Bruno Canto Martins e Izan Leão, começou, dois anos atrás, a construção de um detector parecido com o Coravel, de Michel Mayor, porém, muito mais avançado. O novo instrumento, um espectrômetro chamado de Nirps, que a grosso modo é um “caçador de planetas”, está em sua fase final de ajustes e deve ser entregue em abril de 2020.
Coube à UFRN desenvolver o desenho ótico e arquitetura, bem como os softwares deste novo equipamento. Há dois anos, o engenheiro Alan Martins, professor do Departamento de Engenharia Elétrica (DEE), está em Genebra trabalhando como engenheiro principal da parte de software deste equipamento. O mesmo trabalho foi realizado no último ano pelo professor Bruno Canto Martins, do DFTE, que ficou na Suíça por doze meses.
O consórcio que conduz este projeto é constituído pela UFRN, Universidade de Montreal, no Canadá, Universidade de Genebra (com equipe de Michel Mayor), Universidade Grenoble, na França, pelo Instituto de Astrofísica de Canárias, em Tenerife (Espanha) e pela Universidade do Porto, em Portugal. “Não sei se o nosso time aqui da UFRN vai descobrir a primeira “terra”, mas, certamente, quem a descobrir vai citar a UFRN como tendo participado do desenvolvimento deste instrumento”, afirma José Renan.
Pesquisadores das universidades envolvidas na construção deste projeto receberam do Observatório Europeu para o Hemisfério Sul 720 “noites” para efetuarem novas buscas por exoplanetas. “Certamente isso trará uma contribuição muito importante, seja para o desenvolvimento da ciência, na transferência de tecnologia para o nosso país, ou para a formação pós-graduada de nossos estudantes aqui na Física e nas engenharias. Acreditamos que a UFRN vai fazer parte da revolução que se anuncia dentro da exoplanetologia”, finaliza José Renan de Medeiros.