A disputa da presidência da Câmara dos Deputados deixou Rodrigo Maia com um pé para fora do DEM. Em entrevista ao jornal Valor Econômico publicada nesta 2ª feira (8.fev.2021), o deputado criticou tanto a legenda, que acusou de ter ido para a “extrema-direita“, quanto seu presidente, Antonio Carlos Magalhães Neto, o ACM Neto.
Maia afirmou que demorou para perceber que tinha sido traído por quem considerou ser um amigo de 20 anos. A Comissão Executiva Nacional do DEM decidiu pela neutralidade na eleição para o comando da Casa. Maia declarou apoio ao deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e esperava ter o respaldo de seu partido. Arthur Lira (PP-AL) foi eleito com 302 votos, contra 145 de Baleia.
“Todo mundo dizia que ele [ACM Neto] tinha feito acordo. O Palácio dizia que ele tinha feito acordo, [o presidente do PP] Ciro Nogueira dizia que o DEM ia ficar neutro e eu falava que não, que o Neto tinha me dito que não”, afirmou Maia. Segundo ele, a negociação foi um “papelão”.
“Combinei tudo com o presidente e o líder do partido. Até meu discurso de formação do bloco, um discurso duro, enviei para o Neto e ele concordou, disse que estava espetacular”, declarou.
“Mesmo a gente tendo feito o movimento que interessava ao candidato dele no Senado [Rodrigo Pacheco, eleito para a presidência do Senado], ele [ACM Neto] entregou a nossa cabeça numa bandeja para o Palácio do Planalto”, declarou Maia. Lira era o candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro.
Maia afirmou que a decisão do presidente do DEM foi decisiva para desidratar a candidatura de Baleia.
“Diferentemente do que ele imagina, na verdade o que o Bolsonaro conseguiu foi quebrar a nossa coluna, que era toda acordada, de que nunca estaríamos no governo Bolsonaro e nunca apoiaríamos o Bolsonaro. Isso eu ouvi do presidente ACM Neto centenas de vezes”, falou.
O deputado revelou que não conversou com o presidente do DEM desde a eleição na Câmara.
Segundo Maia, do ponto de vista político, não importa como cada deputado vota, mas, sim, a movimentação da cúpula do partido.
“O grande problema é que o partido voltou ao que era na década de 1980, para antes da redemocratização, quando o presidente do partido aceita inclusive apoiar o Bolsonaro”, falou.
“Foi um processo muito feio do [ACM] Neto e do [governador de Goiás, Ronaldo] Caiado. Ficar contra é legítimo, falar uma coisa e fazer outra, não. Falta caráter”, disse.
Segundo o deputado, o movimento fez com que o partido desse uma guinada à direita. “O DEM decidiu majoritariamente por um caminho, voltando a ser de direita ou extrema-direita, que é ser um aliado do Bolsonaro”, disse.
“Não descarto nem a hipótese de o Bolsonaro acabar filiado ao DEM”, falou Maia.
Com isso, de acordo com o deputado, a legenda afasta possíveis adversários do presidente na eleição presidencial de 2022, como o apresentador Luciano Huck. “Se decidisse ser candidato [à Presidência], [Huck] estava 90% resolvido que se filiaria ao DEM”, afirmou Maia.
O deputado criticou a declaração de ACM Neto de que seu espectro político ia de Ciro Gomes a Bolsonaro.
“Eu não posso ir do Bolsonaro ao Ciro Gomes. Ninguém que queira fazer política de forma orgânica pode. Isso não é um projeto de país. Isso é projeto de partido voltando a ser exclusivamente parlamentar e anexado a um governo”, afirmou.
“Deste partido eu não tenho mais como participar porque não acredito que esse governo tenha um projeto, primeiro, democrático e, segundo, de país.”
Nos últimos dias, especulou-se que Maia poderia se filiar ao Cidadania, ao PSDB ou ao PSL. O deputado disse que ainda está decidindo para qual partido irá.
“Apenas quero deixar claro para os que me acompanham e acompanharam meus 4 anos e 7 meses à frente da Câmara que não sou um vendido, que tenho caráter, que [não] construí um bloco com partidos de direita e esquerda para enganar essas pessoas. Estarei num partido que será de oposição ao presidente Bolsonaro.”
Ao ser questionado se espera ter uma saída cordial do partido ou que o DEM tire seu mandato, Maia respondeu que não presume nada, mas que não vai brigar com ninguém. Disse ainda que não está preocupado com quem possa acompanhá-lo na mudança de partido.
“Agora, a minha necessidade de informar que não estou mais no DEM para mim é muito importante. As pessoas ficam me dizendo para esfriar a cabeça. Minha cabeça está muito fria”, falou.
Sobre não ter acatado nenhum pedido de impeachment de Bolsonaro enquanto estava no comando da Câmara, Maia afirmou que as condições políticas não estavam colocadas.
“Querendo ou não, Bolsonaro tem 30% de ótimo/bom e 40% de ruim/péssimo. A abertura de um impeachment em um momento em que as condições políticas não estão colocadas só o fortaleceria.”