Ceará-Mirim

Covid ‘empurra’ desempregados para ruas e abrigos

Depois de cinco meses de trabalho sem registro na carteira profissional em uma metalúrgica em Guarulhos, na Grande São Paulo, Diego Souza recebeu a notícia que mais temia no começo da pandemia: a empresa ia demiti-lo. Logo depois, outra má notícia: por atrasar em um mês o aluguel de R$ 500, a proprietária pediu as chaves do quarto onde morava. Sem emprego e sem teto, o torneiro mecânico de 33 anos pensou, em abril, que teria mais chances na capital. Nada melhorou. Ele chegou a viver seis dias na Praça da República, no centro, dormindo sob a marquise do Cine Marabá. Ainda está sem trabalho, mas conseguiu uma vaga para dormir no Centro Temporário de Acolhimento Alcântara Machado, na zona leste.

Mesmo como centro da pandemia no País, São Paulo também pareceu a melhor opção de emprego para o mineiro Rogério Anselmo, de 45 anos. Tendo trabalhado já como vigilante e auxiliar de produção, ele chegou à capital paulista na terça-feira passada, sem ter onde ficar. Após problemas com a família, ele já morava nas ruas de Belo Horizonte. “Lá já não havia emprego antes. Eu só fazia bicos. Com a pandemia, tudo ficou pior. Só preciso de uma chance para tentar me colocar de pé de novo”, diz o pai de quatro filhos – todos vivem com as mães.

A crise causada pela pandemia tem empurrado para as ruas desempregados e migrantes. Um indicador desse crescimento está nas vagas de acolhimento da Prefeitura. Em abril, eram 594. No início de julho, saltaram para 1.072, sendo 672 em oito equipamentos emergenciais e outras 400 em quatro Centros Educacionais Unificados (CEUs). O porteiro Paulo Ricardo Araújo, de 32 anos, carioca da Ilha do Governador, conseguiu uma vaga no Centro Temporário de Acolhimento (CTA) da Mooca. Desempregado há um mês, depois de sair de uma empresa de logística, ele tem direito a quatro refeições por dia, banho e um lugar para dormir. Solteiro, com uma filha no Ceará, Ricardo passa o dia procurando emprego. “O prazo para ficar no abrigo é o final da pandemia”, diz.

Antonio, que revela só o primeiro nome, ainda não conseguiu espaço nesses abrigos. Ajudante de serviços gerais, ele dorme sob o Viaduto Bresser, no Belém, desde o início de junho. Espera a chegada de um primo de Itabaiana (BA) que vai trazer roupas e dinheiro. Prefere não ser fotografado. “É uma situação vergonhosa. Não tenho dinheiro para comprar um sabonete”, diz o baiano de 35 anos.

A empregada doméstica Alessandra Rodrigues também ficou sem opções. Não conseguiu vaga nos centros de acolhimento da prefeitura e era impossível dormir na rua com Luana, sua filha de dois anos e seis meses. Assim, ela recorreu a uma ocupação irregular conhecida como Castelo, na Avenida Alcântara Machado, a Radial Leste. A (falta de) opção indica outra válvula de escape para as famílias sem renda durante a pandemia: os imóveis abandonados. “Eu não consegui nenhuma diária de limpeza porque as famílias estão sem dinheiro e com medo da covid. Eu não podia ficar na rua com minha filha, né?”, diz a paulistana de 42 anos.

No mesmo endereço de Alessandra, moram 20 famílias (antes da pandemia eram 15). A empregada doméstica conta que as doações, que eram poucas, praticamente desapareceram. Outros moradores que preferem não se identificar afirmam que existem pelo menos mais sete ocupações na região do Belém e boa parte das doações acaba parando nesses endereços. Os itens mais necessários para as famílias que vivem ali são roupas e cestas básicas. Alessandra vive em um cômodo que serve como sala, quarto e cozinha e não tem despesas como água e luz. Conseguiu a vaga ali porque os líderes da ocupação se sensibilizaram com sua história. O café da manhã da mãe e da filha é feito na Igreja São Miguel Arcanjo, na Mooca. E as outras refeições? A pergunta fica sem resposta enquanto Alessandra levanta os ombros. “Nessa pandemia, a gente depende da ajuda das pessoas, mas nem todo mundo está podendo ajudar.”

Rotina

Dramas pessoais como esse viraram rotina em São Paulo. Depois da eclosão da pandemia, a quantidade de pessoas sem casa, ou com casa, mas sem comida, explodiu na cidade. E essa situação, visível nas ruas, é ainda ausente nas estatísticas oficiais, como apontam várias instituições filantrópicas ouvidas pelo Estadão. “Tem mais gente procurando café da manhã”, afirma o padre Júlio Lancelotti, da Paróquia São Miguel Arcanjo e da Pastoral de Rua da Arquidiocese de São Paulo.

Antes da pandemia, cerca de 150 pessoas apareciam todas as manhãs no café oferecido pela paróquia, que fica na Mooca. “Hoje temos 400 a 500 pessoas.” Desemprego, inadimplência, situações de aperto material e emocional têm levado mais gente para as ruas, diz o vigário. Na zona central, o frei Angélico do Coração de Jesus, da congregação religiosa Fraternidade O Caminho, conta que há moradores que vieram do Nordeste e até de fora do País. Eles perderam o emprego e, sem rede de proteção, foram parar em albergues e nas ruas.

“Notamos um aumento por causa da pandemia”, diz frei Angélico. Antes, de 40 a 50 pessoas apareciam diariamente na primeira refeição oferecida . “Hoje são 200, no mínimo, no café da manhã.” Para agravar a situação, algumas instituições deixaram de oferecer ajuda por causa do risco de aglomerações.

Instalada no Largo de São Francisco, zona central da cidade, a Tenda Franciscana foi aberta exatamente por causa do aumento da procura desses carentes por refeições. Frei João Paulo Gabriel, coordenador do projeto, afirma que no início da pandemia houve aumento “considerável” da procura por comida. “Tem gente vindo aqui porque perdeu a casa. Outras porque não têm casa nem comida.” Levantamento preliminar do Serviço Franciscano de Solidariedade revela que 21% dessas pessoas têm casa, mas buscam comida. Outros 74% são pessoas em situação de rua e 5% vivem em ocupações.

Segundo a Prefeitura, de acordo com o Censo da População em Situação de Rua de 2019 havia 24.344 pessoas nessa condição na capital. O padre Júlio Lancelotti chegou a considerar que esses resultados estavam subestimados. Nas suas contas, na época, eram cerca de 30 mil pessoas. “Tudo ficou mais muito difícil para eles”, lembra. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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