Um abatido Jair Bolsonaro iniciou sua live semanal no Facebook nesta quinta-feira com uma breve referência à prisão de Fabrício Queiroz: “Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da terra. Mas que a Justiça siga o seu caminho. Repito, não estava foragido e não tinha nenhum mandado de prisão contra ele”, disse o presidente, comedido, em contraste com suas vociferações frequentes. Apesar da linha de defesa, Bolsonaro frisou não ter relação nenhuma com o caso que investiga a participação de Queiroz, amigo e assessor da família há 30 anos, e de nada menos que seu filho primogênito, o senador Flávio Bolsonaro, em um suposto esquema de desvio de dinheiro de verba pública do salários de servidores da Assembleia Legislativa do Rio. Depois de um ano e meio de avanço lento, táticas legais para congelar as investigações e o sumiço de Queiroz da vista pública e da Justiça, o ex-assessor dos Bolsonaro foi detido em Atibaia, no interior de São Paulo, na casa de Frederick Wasseff, advogado da família. Agora, os desdobramentos do caso tiram o sono do Planalto que já em batalha aberta com o Supremo Tribunal Federal e em plena crise econômica e sanitária.
Queiroz já está no complexo penitenciário de Bangu, no Rio, sem data para sair, dado que se trata de uma prisão preventiva autorizada pela Justiça. A principal preocupação da família Bolsonaro é que Queiroz faça delação premiada e envolva diretamente o senador Flávio. As 46 páginas do pedido de prisão contra o ex-assessor e contra a mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar (que também é investigada, mas não foi encontrada), deixam claro que os promotores do Rio consideram Queiroz um “operador financeiro” do filho do presidente, a ponto de até pagar as mensalidades escolares das filhas de Flávio. Ao contrário das declarações dos Bolsonaro de que mantinham distância do ex-assessor, os promotores citam também como o antigo faz-tudo da família seguia com atuação política no grupo.
Diante do quadro, o presidente parece ter sentido o golpe. Eleito como paladino anticorrupção e acostumado a ser entusiasta das prisões “espetaculosas” da Operação Lava Jato, ele sabe que a detenção de Queiroz pode ser mais danosa para a imagem de sua família do que qualquer outra investigação que o envolva. Todo o enredo dessa apuração circula única e exclusivamente os laços familiares do presidente. Queiroz é seu amigo há mais de 30 anos. E a apuração começa no gabinete de Flávio na Assembleia do Rio, onde foi deputado estadual por quatro mandatos, e envolve até a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que recebeu 24.000 reais de Queiroz.
As demais investigações, como a do inquérito das fake news, que acaba de receber a chancela do Supremo Tribunal Federal e apura ameaças contra a Corte, ou a que rastreia atos antidemocráticos, têm vinculações com seu grupo político, empresários ou com ativistas radicais. Ou seja, ele pode eventualmente driblar reveses e dividir a responsabilidade. Na de Queiroz, não. Sobra ainda o inquérito que apura se ele interferiu na Polícia Federal, como acusa o ex-ministro Sergio Moro, e que pode, no limite, se ligar ao caso Queiroz, já que um ex-aliado do presidente diz que ele foi avisado da operação contra o então assessor da família durante a campanha eleitoral
Um dos sintomas de que a prisão de Queiroz desnorteou o bolsonarismo foram as redes socias, seu campo predileto de batalha. Os apoiadores do presidente demoraram a reagir. Apesar de a detenção ter ocorrido no início da manhã, foi só no fim da tarde que começaram a aparecer as primeiras postagens nos grupos de WhatsApp bolsonaristas que são monitorados pela reportagem desde a campanha eleitoral. A maioria delas apenas replicava uma queixa do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) que cobrava que a Justiça deveria dar o mesmo tratamento concedido ao ex-assessor de seu irmão a outros 20 deputados e ex-deputados estaduais suspeitos de dividirem os salários dos servidores no Rio.
Na Câmara, o líder do Governo, Major Vitor Hugo (PSL-GO), também só se manifestou no fim do dia e seguiu na mesma linha de Eduardo. “Essas operações não atingem em nada as ações do presidente Jair Bolsonaro no passado”. Antigo membro da base bolsonarista, o senador Major Olímpio (PSL-SP), disse que a prisão de Queiroz traz uma “tempestade desnecessária” para o colo do presidente. “Quando um de seus filhos reage colando sua imagem com a do presidente, isso só aumenta a pressão contra o próprio presidente”, afirmou. Era uma referência a uma postagem de Flávio Bolsonaro no Twitter na qual ele dizia: “Encaro com tranquilidade os acontecimentos de hoje. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto”.
Derrotas e demissão de Weintraub
A prisão de Queiroz acentua os cenários políticos e jurídicos que já não têm sido nada animadores para o chefe do Executivo. Enquanto o Brasil se prepara para confirmar oficialmente nesta sexta um milhão de casos e 50.000 mil mortes por covid-19, o presidente persiste na estratégia negacionista e está, há quase um mês, sem ministro da Saúde. Ao mesmo tempo, tem sido emparedado pelo Supremo Tribunal Federal que, em inquéritos distintos, autorizou investigações de ao menos 50 militantes e empresários bolsonaristas, além de onze parlamentares suspeitos de financiarem atos antidemocráticos. O Planalto também mira com preocupação o caminhar de ações pela cassação de sua chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral por disseminação de desinformação nas eleições de 2019.
Ainda que nada tenha desfecho imediato, o cerco ajuda a minar a estabilidade do Governo, que viu-se obrigado a demitir seu ministro da Educação, Abraham Weintraub, que além da gestão caótica em uma pasta estratégica já havia defendido a prisão de ministros do STF, a quem chamou de “vagabundos”. A exoneração do ministro foi pensada com uma sinalização ao Judiciário de que o Planalto pretende arrefecer o clima bélico que incentivou nos últimos meses, mas ainda é cedo se será suficiente para convencer a cúpula do Judiciário.
Apesar da demissão, Weintraub, contudo, “cairá para cima”. Economista de formação e considerado pelos opositores como o pior ministro da Educação que o país já teve, ele foi indicado por Bolsonaro para um cargo de diretor-executivo no Banco Mundial, onde terá um salário aproximado de 90.000 reais. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reagiu com ironia ao ser instado a comentar a indicação de Weintraub para o novo cargo. “É porque não sabem que ele trabalhou no Banco Votorantim, que quebrou em 2009 e ele era um dos economistas do banco”, afirmou. ]
Para além das frases de efeito de Maia, é no Congresso que ainda está um bastião seguro para Bolsonaro, desde que ele começou uma agressiva tática para angariar o apoio do chamado Centrão, para blindá-lo de eventuais problemas na Câmara. Um bom termômetro nas próximas semanas será ver se o bolsonarismo segue incólume no Parlamento ou se haverá chance de a oposição emplacar processo no Conselho de Ética contra Flávio Bolsonaro no Senado.