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Câmara banca viagens de deputados a destinos turísticos com aval de Maia

Ranier Bragon | Camila Mattoso

No dia 3 de maio, a estátua de bronze de Eusébio, um dos maiores jogadores de futebol da história de Portugal, ganhou um companheiro provisório. Trepado em cima do pedestal, ao seu lado, o deputado José Airton Cirilo (PT-CE) imitava a pose do ídolo do Benfica —armando o chute— para a foto que colocaria no mesmo dia em suas redes sociais. 

Cirilo foi um dos oito deputados federais da comitiva brasileira que passou cinco dias visitando, em missão oficial, locais turísticos de Lisboa e Fátima com praticamente todas as despesas pagas pela Câmara —passagens aéreas e diárias que somaram quase R$ 10 mil para cada um.

Permitidas pelas regras da Casa, as viagens internacionais dos deputados têm levado desde outubro do ano passado uma média de 26 parlamentares para fora do país, por mês, para destinos de Estados Unidos, Europa e Ásia, alguns mais de uma vez.

Só de janeiro de 2018 a janeiro de 2019, esses deslocamentos custaram R$ 3,9 milhões. Os custos totais foram obtidos pela Folha por meio daLei de Acesso à Informação.

O objetivo oficial das viagens, autorizadas ou negadas por decisão do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), é, entre outros, dar aos deputados “acesso a novos conceitos, políticas públicas e experiências legislativas úteis ao Brasil”.

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Na prática, a “CamaraTur” tem sido usada para viagens de deputados, acompanhados pelos cônjuges (o custo de eventual acompanhante não é bancado pela Câmara), para destinos turísticos, com precária justificativa das razões e ganhos ao Legislativo desse tipo de deslocamento.


Vários relatórios de viagens apresentados se resumem a poucos parágrafos copiados de textos da internet, sem a citação da fonte, como se fossem a transcrição da experiência própria adquirida pelo parlamentar.

Nos quatro meses do final da legislatura passada, por exemplo (outubro de 2018 a janeiro de 2019), o já presidente Rodrigo Maia autorizou 37 deputados (22 em fim de mandato) a viajarem para serem observadores de encontros da 73ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York. Foram R$ 650 mil em gastos.

Naquele período, Maia estava em campanha para se reeleger ao cargo de presidente da Casa, o que acabou conseguindo em 1º de fevereiro deste ano.

Sem direito a voto ou voz nesses encontros, os parlamentares tiveram dias livres em Nova York e pouco contaram em seus relatórios o que a viagem acrescentou. 

Fábio Mitidieri (PSD-SE), por exemplo, escreveu que nos seus oito dias de viagem acompanhou reuniões na ONU em três —nos dois primeiros, teriam sido discutidas a pirataria na Somália e questões da Bósnia e Líbia. O tema do terceiro ficou incerto.

“A programação da ONU terminou no dia 9 de novembro com a reunião sobre”, escreveu, sem completar a frase.

“Vai mais para observar, mesmo. É uma experiência diferenciada, achei que foi muito importante”, disse à Folha, atribuindo o erro do relatório à assessoria. Ele levou a mulher na viagem e disse que pagou todos os custos dela.

Capitão Augusto (PL-SP), outro que foi à ONU, apresentou relatório idêntico ao de outros parlamentares. O parlamentar disse que tratou do tema de segurança pública e que chegou a visitar, inclusive, a polícia de Nova York.

Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) é nome frequente em viagens. Mesmo depois de não ter conseguido se reeleger, teve três em missão oficial autorizadas no final de 2018, em despedida de seus sete mandatos.
Sobre sua ida a Nova York para reuniões da ONU, usou “ctlr+c e ctlr+v”, copiando e colando trechos de informativos da organização, como se fossem de sua autoria. 

Nilson Leitão (PSDB-MS) foi um dos poucos que em seu relatório reconheceu ter havido passeio na viagem. Ele foi a Nova York de 9 a 16 de dezembro e anotou que, nesse período, três dias foram “livres”.
Outras comitivas numerosas também obtiveram autorização nos últimos meses de 2018, entre elas a que foi para a paradisíaca cidade croata Dubrovnik, cenário da famosa série “Game of Thrones”.

Seis parlamentares, entre os quais dois não reeleitos, participaram em novembro de uma reunião da Comissão Internacional para Conservação do Atum do Atlântico. O grupo faz parte da Frente Parlamentar da Pesca e da Agricultura. 

Secretário de Relações Institucionais da Câmara, Alex Manente (Cidadania-SP) viajou em novembro a Paris, Cannes e Nice, na famosa Côte D’Azur, a Riviera francesa, considerada uma das regiões mais luxuosas do mundo. 

Ele foi para uma feira sobre comércio e distribuição, para “conhecer e compartilhar” as melhores práticas do mercado internacional. 

Manente diz que a mulher o acompanhou em Paris, mas que pagou suas despesas. Ela, no entanto, usufruiu da hospedagem paga pela Casa.

“Eu acho que assim como o poder Executivo, o Legislativo tem que cumprir agendas que são prioritárias para agenda comercial. As escolhas para as missões são muito criteriosas”, disse o deputado.

Novembro também foi a data da viagem de Joaquim Passarinho (PSD-PA) à Itália para discutir temas que incluíram, conforme seu relatório, a “atuação conjunta com o Vaticano na procura de uma paz mundial”.

Ele viajou para a Itália e para o Vaticano entre 19 e 23 de novembro, acompanhado da mulher, que conheceu o papa Francisco.

“Como parlamentar católico, valeu muito [a viagem] para conhecer como funciona o Vaticano, ter podido ter também uma audiência com uma autoridade como o papa, que é um chefe de Estado”, disse Passarinho.

Sobre a busca da paz mundial, afirmou que suas conversas no Vaticano envolveram o debate sobre a crise dos refugiados em países como a Síria.

Bicampeão mundial de judô, o à época deputado João Derly (Rede-RS) foi, no mês seguinte, assistir ao Guangzhou Masters 2018, na China, entre 12 e 17 de dezembro.

No relatório, escreveu: “Interagi com os atletas de outros países e do Brasil, ouvi relatos e bons exemplos de ações para o esporte.” 

Derly não foi reeleito. “A viagem acabou sendo no final da legislatura, mas isso ajudou bastante na nossa secretaria de Esporte”, disse o ex-deputado, hoje secretário de Esporte do governo do Rio Grande do Sul. Ele afirmou que viajou de classe econômica e não levou acompanhante. 

De janeiro a outubro de 2018, o ritmo de viagens autorizadas pela Câmara foi bem menor, uma média de oito por mês.

Pelas regras da Câmara, os deputados têm direito a passagem aérea na classe econômica, mas podem fazer upgrade usando verba da cota parlamentar. 

A diária —limitadas a cinco por missão oficial— para destinos na América do Sul é de US$ 391. Para outros países, US$ 428. Os parlamentares também ganham um adicional no valor de 80% da menor diária para deslocamentos de embarque e desembarque na cidade de destino.

Algumas das comitivas ao exterior, para destinos como Nova York, Lisboa e Azerbaijão, foram lideradas pelo próprio Maia, que abriu mão de receber diárias nas viagens internacionais que fez.

OUTRO LADO

A presidência da Câmara disse que o regimento da Casa “assegura ao parlamentar o direito de desempenhar missão autorizada”, mas não respondeu às perguntas sobre quais são os critérios usados por Rodrigo Maia para autorizar os pedidos.

“O presidente pode autorizar o deputado a participar de missão no exterior, mediante manifestação de interesse do próprio deputado. Assim ocorre com eventos como, por exemplo, a abertura da Assembleia Geral da ONU”, disse a assessoria.

O deputado José Nunes (PSD-BA), um dos que integrou a comitiva que foi a Lisboa e Fátima, disse que a viagem foi muito proveitosa.

“Acho que foi importante pra gente trazer a experiência de Portugal para o Brasil na questão tanto do turismo religioso quanto do esportivo. Passamos lá quatro ou cinco dias trabalhando mesmo, não foi brincando, não foi passeando”, disse o parlamentar, que, por ter aberto mão das passagens pagas pela Câmara (usou apenas as diárias), não quis dizer se levou acompanhante.

A Folha deixou recado com a assessoria, mas não conseguiu falar com José Airton Cirilo. Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP) e Nilson Leitão (PSDB-MS) também não foram localizados.


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