A bancada do Psol na Câmara dos Deputados ingressou, nesta sexta-feira (2), com uma representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) contra as novas nomeações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) para a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP).
O presidente e a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, substituíram quatro integrantes da Comissão, que tem um total de sete componentes. Foram exonerados: a presidenta do colegiado, a procuradora da República Eugênia Augusta Gonzaga Fáver; a advogada e professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rosa Maria Cardoso da Cunha; o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS); e o militar João Batista da Silva Fagundes, ex-deputado federal pelo estado de Roraima.
No lugar deles, foram nomeados, respectivamente, Marco Vinicius Pereira de Carvalho, que atua como assessor especial de Damares e preside o PSL no município de Taió (SC); o coronel da reserva do Exército Weslei Antônio Maretti; o deputado federal Filipe Barros (PSL-PR); e Vital Lima Santos, que trabalha na chefia de gabinete do Ministério da Defesa.
Barros é um dos vice-líderes do governo na Câmara e tem demonstrado forte alinhamento com as pautas de Bolsonaro, além de ter comemorado, por exemplo, o aniversário do golpe militar de 1964.
Em uma postagem feita pelas redes sociais, ele chegou a se referir à data como “o dia que o Brasil foi salvo da ditadura comunista”. O parlamentar também já chamou de “revisionismo” as críticas à tortura e às mortes praticadas pelo regime. Além disso, defendeu, por meio de um pedido oficial feito à PGR, a prisão temporária do fundador do site The Intercept Brasil, Glenn Greenwald, jornalista responsável pelas reportagens da “Vaza Jato”.
Também conhecido por defender a ditadura militar, o coronel Maretti costuma exaltar a memória do coronel Brilhante Ustra, conhecido pelas práticas de tortura na época do regime. Ele também já chegou a afirmar que “quem tem armas automáticas não precisa dar muitas explicações”.
Outras pautas conservadoras marcam a trajetória do coronel, como, por exemplo, o apoio dado por ele ao movimento que pressionou pela cassação do mandato do deputado Jean Wyllys depois de o então parlamentar ter cuspido em Jair Bolsonaro, em 2016, após um insulto do pesselista.
“Retaliação”
A alteração dos componentes, publicada na edição do Diário Oficial da União (DOU) de quinta-feira (1º), se deu uma semana após a CEMDP reconhecer a morte de Fernando Santa Cruz, pai do atual presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, como “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro”, segundo o documento oficial.
Após o posicionamento da comissão, Bolsonaro afirmou, durante uma entrevista na segunda-feira (29), que poderia “contar como o pai dele desapareceu”. “Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse o chefe do Executivo, colocando em xeque a versão de que Fernando Santa Cruz foi perseguido e moro pela ditadura militar. A manifestação do presidente foi fortemente repudiada por diferentes atores políticos, entidades da sociedade civil e outros atores.
Para o líder do Psol, a troca de membros da Comissão seria uma espécie de represália do presidente ao colegiado pela emissão do documento.
“Isso foi feito dez dias atrás. Não é uma coincidência”, pontua o líder do Psol na Câmara Federal, deputado Ivan Valente.
‘Estado de exceção’
Procurado pelo Brasil de Fato para comentar o caso, o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), líder do PT na Câmara, disse que não se sentiu surpreso com a exoneração por conta do que chamou de “perfil extremista” do presidente Bolsonaro. O parlamentar classificou a nomeação de adeptos do regime militar para a comissão como a “antessala pra um Estado de exceção no Brasil”.
“É algo abominável, um acinte, um desrespeito, uma afronta ao povo brasileiro e a toda a nossa história. Você imagina qual seria a situação se, no Chile, uma comissão pra investigar tudo que aconteceu com os mortos e desaparecidos da ditadura chilena fosse composta por pessoas que são simpatizantes do governo Pinochet”, comparou, em referência ao ditador sanguinário que governou o país atino de 1974 a 1990.
O líder do Psol ressalta que a troca feita pelo presidente se soma a outras iniciativas conservadoras de Bolsonaro em defesa do regime militar.
“Ele está tentando reescrever a história de uma ditadura que perdurou por 21 anos com assassinatos, desaparecimentos, tortura, censura, querendo dizer que não houve nada disso. É de um negacionismo histórico. Isso tem um prejuízo enorme pra memória e pra justiça no nosso país. Essa situação não pode perdurar. Nós entendemos que é preciso que haja um levante da sociedade civil brasileira, do Poder Legislativo, do Judiciário que detenha essas violências, as mentiras e as fake news. Temos um compromisso com a história, e o que ele quer fazer é negar tudo isso”, finaliza Valente.
Criada por lei em 1995, Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos tem a função de ajudar a localizar os corpos de vítimas da ditadura militar, emitir parecer sobre pedidos de indenizações feitos por familiares, entre outras atribuições. Por esse motivo, o Psol argumenta que os novos indicados não teriam perfil para os cargos. O partido acusa Bolsonaro de cometer improbidade administrativa, abuso de poder e desvio de finalidade, em especial este último ponto.
“Ela é uma comissão que tem política de Estado, não de governo. A segunda questão é que os nomes que ele nomeou são de pessoas que não têm nenhuma afinidade com o tema. Pelo contrário, eles negam as funções originárias da própria Comissão. Ele não pode nomear pra uma comissão que está pesquisando, desde 25 anos atrás, onde estão os mortos e desaparecidos e colocar pessoas que exatamente vão negar que houve mortos e desaparecidos políticos, que teve repressão, que teve tortura”, argumenta Ivan Valente.