A Atea (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) pediu na Justiça a condenação da União e dos presidentes da República, do Senado e da Câmara dos Deputados por violação ao princípio do Estado laico com a viagem de autoridades para a canonização de Irmã Dulce no Vaticano.
Na ação civil pública, protocolada na terça-feira (22) na Justiça Federal da 1ª Região, a entidade reivindica que Jair Bolsonaro (PSL), Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Rodrigo Maia (DEM-RJ) sejam obrigados a devolver aos cofres públicos a verba gasta com a permissão deles.
A cerimônia em que a freira foi canonizada e passou a se chamar Santa Dulce dos Pobres ocorreu no dia 13 deste mês. A delegação oficial do governo brasileiro foi chefiada pelo vice-presidente da República, Hamilton Mourão. Bolsonaro não compareceu.
Davi, Maia e ao menos 20 parlamentares das duas Casas fizeram parte da caravana. Eles viajaram em avião da FAB (Força Aérea Brasileira) e tiveram direito a receber diárias, por estarem em missão oficial em um país estrangeiro.
Para a Atea, houve “manifesta ilegalidade e inconstitucionalidade na utilização de recursos públicos”.
“Ao subvencionar a viagem de autoridades brasileiras para uma cerimônia de caráter estritamente religioso, o Estado brasileiro e seus representantes ofendem a laicidade do Estado e, consequentemente, o patrimônio público e os interesses difusos da coletividade”, afirma a petição.
Fundada em 2008, a organização sem fins lucrativos, com sede em São Paulo, diz ter hoje 18 mil associados em todo o país e ostentar como bandeiras a preservação do Estado laico e o combate à discriminação contra ateus e agnósticos. A ação é assinada pelo advogado Thales Vinicius Bouchaton.
No documento, a associação aponta ainda o que considera “um injustificado favorecimento” à Igreja Católica e diz que “não é porque algo é cultural que está chancelada a sua legalidade ou constitucionalidade”.
“Ao contrário do que está enraizado no senso comum, a religiosidade não é sinônimo de bondade ou de virtude. Muitas vezes é até o contrário”, afirma a Atea, destacando ser proibida a subvenção de crenças religiosas pelo poder público.
A associação pede à Justiça que proíba o governo federal de custear novas viagens para o Vaticano ou qualquer outro país para cerimônias de canonização, sob pena de multa diária de R$ 50 mil por autoridade subvencionada pela União.
Requer ainda que os citados apresentem todos os gastos com a caravana deste mês ao Vaticano, para que seja conhecido o total de recursos públicos despendidos com o aval dos três presidentes de Poderes.
“O gasto estimado para os cofres públicos brasileiros irá ultrapassar a casa das centenas de milhares de reais para bancar esse verdadeiro ‘trem da alegria’ com recursos públicos”, afirma a entidade no processo.
A organização solicita também que o Ministério Público Federal seja notificado para atuar no caso como fiscal da lei.
Em outra ação movida pela Atea, a Justiça de Aparecida (180 km de São Paulo) proibiu neste mês a construção de uma estátua gigante de Nossa Senhora Aparecida e determinou a retirada de cinco obras em homenagem à santa de áreas públicas da cidade.
Nesse caso, a associação também questionou a legalidade do uso de recursos públicos e a suposta doação de áreas do município para a construção de monumentos religiosos. A prefeitura informou que vai recorrer da decisão.
Procurada pela Folha para comentar o processo sobre a canonização de Irmã Dulce, a Presidência da República afirmou apenas que “o presidente da República, Jair Bolsonaro, não participou de comemorações no âmbito da canonização de Irmã Dulce no Vaticano”.
A assessoria de Maia disse que a Câmara ainda não foi notificada do processo e prefere não se manifestar por enquanto. A assessoria de Davi não respondeu.