Anna Virginia Balloussier | Folha
Demorou, mas chegou. “Pela primeira vez vamos ter este reconhecimento, o presidente da República vir à marcha depois de 27 anos”, disse à Folha o apóstolo Estevam Hernandes.[ x ]
Jair Bolsonaro (PSL) será o primeiro ocupante do Planalto a passar neste que é o maior evento evangélico do Brasil, a Marcha para Jesus, idealizado em 1993 pela igreja de Hernandes, a Renascer em Cristo.
Bolsonaro tinha que pregar “mais amor e tolerância” se quisesse o eleitorado evangélico ao seu lado, disse o apóstolo à reportagem na Marcha de 2018, quando o então pré-candidato decolava nas pesquisas.
Dali para frente a candidatura engatou de vez no segmento e, em questão de meses, os maiores líderes evangélicos do Brasil, como o bispo Edir Macedo (ex-apoiador dos petistas Lula e Dilma) e o próprio Hernandes e sua esposa, a bispa Sônia, eram bolsonaristas desde criancinhas.
Segundo Hernandes, o presidente cumpre uma promessa que lhe fez na campanha: se eleito, faria o que nenhum de seus antecessores fez, marchar para Jesus nesta quinta (20) de Corpus Christi, em São Paulo, ao lado de uma fatia da população que até hoje permanece como uma de suas bases mais fiéis.
Os tucanos João Doria e Bruno Covas, governador e prefeito de São Paulo, também são esperados.
O candidato foi um, o presidente é outro, afirma o apóstolo, ao explicar o que o fez mudar de ideia e virar um aliado evangélico recebido em março no gabinete presidencial.
Antes, “nós víamos, assim, ele tinha um discurso extremamente radical”, diz. “Hoje observamos o quê? Há equilíbrio muito maior naquilo que estamos observando.”
O contato cara a cara com Bolsonaro o ajudou a desfazer más impressões, afirma. “Coisas que eu havia imaginado e não eram 100% verdade. O discurso não é exatamente a prática dele.”
O líder da Renascer só não vê tanto equilíbrio assim naquele tido como o guru da família Bolsonaro, o escritor Olavo de Carvalho, figura que divide opiniões no meio evangélico.
Hernandes não se alinha a pastores como o deputado Marco Feliciano (Pode-SP), para quem o escritor é “um gênio”. “Olavo é um intelectual”, e disso Hernandes diz não ter dúvida. “Obviamente, é inegável quais são as suas qualidades.”
Mas não seria um “consultor ideal” para o presidente, continua. “É uma pessoa que tem exageros que são extremamente prejudiciais e nada têm a ver com a realidade do momento. Não pode ser seguido cegamente. Ele confronta muitas coisas nas quais nós acreditamos.”
Para essa conta vão o “discurso exagerado dos palavrões” e a “falta de respeito em relação ao ser humano”, diz Hernandes. “Posso discordar de todas as posições que você tem, mas não posso te escrachar.”
Nesse ponto, ele se une ao pastor Silas Malafaia, outro a tornar pública sua discordância com Olavo também mal visto por evangélicos por algo tido como incompatível com a fé do grupo, a astrologia, o que lhe rendeu apelidos como “AstrOlavo”.
A Marcha para Jesus pode até “não estimular nenhum discurso político”, nas palavras do apóstolo, mas ele mesmo reconhece que é impossível controlar os ânimos partidários de quem passa por lá.
Em 2018, com o clima eleitoral a pleno vapor, João Doria (PSDB-SP), o ex-prefeito que visava o Palácio dos Bandeirantes, se ajoelhou e orou no Bordoada, um dos trios elétricos que percorreram 3,5 km do centro à zona norte de São Paulo, trajeto que se repetirá neste ano.
“Queeeeem ama sua família? Queeeem ama Jesus? Queeeem ama Deus? E o estado de São Paulo?”, discursou a milhares.
A edição passada caiu no meio da greve dos caminhoneiros, que mais parecia coisa “de capetas tomando Jack Daniel’s”, disse o apóstolo no trio. “O povo de Deus não é movido a gasolina, é movido ao Espírito Santo.”
A deste ano terá como lema “O Resgatador”, que é “aquilo que entendemos a respeito de Jesus, que resgata a integridade”, explica Hernandes.
Depois da marcha em si, o evento continua na praça Heróis da Força Expedicionária Brasileira, com shows gospel. Uma das atrações: o ex-senador Magno Malta (PR-ES), que tem com a família uma banda de pagode cristão, Tempero do Mundo.
Em 2018 ele foi à Marcha para Jesus com Bolsonaro, então à procura de um vice. Só cabia a Malta dizer se topava, porque “cartinha de amor” ele já havia enviado, disse o candidato um ano atrás. Não aceitou e acabou alijado do governo Bolsonaro.
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