Senado rejeita decretos das armas; texto segue para Câmara

Uma das principais bandeiras do governo Jair Bolsonaro foi derrotada por 47 votos a 28

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Daniel Carvalho | Folha

​Por 47 votos a 28, o plenário do Senado decidiu nesta terça-feira (18) derrubar os decretos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que flexibilizam o porte e a posse de armas no Brasil.

A decisão ainda tem que passar pela Câmara, e os decretos valem até que a Casa vote. O tema deverá tramitar em regime de urgência, indo direto para o plenário. Não há, porém, prazo para a votação.

Plenário do Senado Federal durante sessão
Plenário do Senado Federal durante sessão – Moreira Mariz/Agência Senado

Depois da votação no Senado sobre o tema, Bolsonaro escreveu em rede social dizendo esperar que a “Câmara não siga o Senado, mantendo a validade do nosso decreto, respeitando o Referendo de 2005 e o legítimo direito à defesa”. 

“O governo tem uma defesa do decreto que eu acho que é frágil, mas eu respeito”, afirmou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). 

Se o texto também for derrotado pelos deputados, o governo cogita recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal) por entender que o PDL (projeto de decreto legislativo), votado nesta terça para sustar os decretos, é inconstitucional por interferir no mérito da norma editada pelo Executivo.

Questionado sobre o que faria se fosse derrotado, Bolsonaro respondeu nesta terça: “Eu não posso fazer nada. Eu não sou ditador, sou democrata, pô”.

A validade do decreto é questionada em três ações que serão analisadas no Supremo no próximo dia 26.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que o Legislativo vai se debruçar sobre um projeto de lei para tratar da posse de armas.

Parlamentares também lembraram que há no Senado um projeto que trata de porte de arma em áreas rurais e pode ser pautado.

O decreto das armas foi editado por Bolsonaro em 7 de maio. Sob pressão do Legislativo e do Judiciário, o presidente recuou 15 dias depois e fez alterações no texto. A segunda versão da medida proibiu que cidadãos comuns portem armas de fogo como fuzis, espingardas e carabinas, permissão que havia sido criticada por especialistas em segurança pública.

Bolsonaro e senadores de viés armamentista fizeram pressão nas redes sociais nas últimas horas e o presidente fez reiterados apelos de viva voz. 

“Não deixem esses dois decretos morrerem na Câmara ou no Senado. A nossa vida é muito importante. Vocês sabem o quanto é difícil produzir neste país e a segurança tem que estar acima de tudo”, disse o presidente à plateia formada por parlamentares, produtores agrícolas e integrantes da bancada ruralista em evento no Planalto.

“Toda boa ditadura é precedida do desarmamento. Você vê: o povo venezuelano não tem como reagir. Se tivesse não estaria acontecendo tudo isso que está acontecendo lá”, afirmou horas depois. Não adiantou muito. Os senadores impuseram uma derrota ao governo.



A sessão no Senado teve um intenso debate entre senadores contrários e favoráveis à proposta, refletindo o clima tenso que vem desde a quarta-feira passada (12), quando a CCJ (comissão de Constituição e Justiça) da Casa rejeitou os decretos.

“Criei meus filhos sem dar um tiro sequer. E morava na minha propriedade rural sozinha com três crianças. Senhor Presidente da República, arme e treine os policiais. Pagamos impostos para que o Estado brasileiro cuide de nós. Não transfiram a obrigação de vocês, governo federal, para o povo brasileiro”, disse a senadora Kátia Abreu (PDT-TO).

O senador Luiz do Carmo (MDB-GO) disse que sua filha foi assassinada porque não estava armada.

“Eu tenho certeza absoluta de que, se alguém, dentro dos critérios estabelecidos, tiver posse de uma arma e souber usar, os bandidos vão correr, porque o Estado não está dando garantia para o cidadão, não deu”, afirmou.

Filho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) disse que o decreto serve para “salvar vidas”.

“Vamos falar para a mulher que está sendo estuprada que ela pode tacar um livro na cabeça do estuprador e não dar um tiro para defender sua vida e sua integridade física”, afirmou.

“Entendo que um pai ou esposo de uma senhora estuprada queira matar com as próprias mãos aquele que fez esse mal, mas nós, como Estado brasileiro, não podemos pretender enfrentar o crime com a mesma arma do criminoso: a violência e, eventualmente, a covardia”, disse Jaques Wagner (PT-BA).

Nos últimos dias, houve uma intensa campanha nas redes sociais. O próprio Bolsonaro foi à internet pedir pela manutenção da medida, manifestação que não foi bem recebida por senadores contrários ao decreto que, no dia anterior, revelaram terem recebido ameaças por causa da maneira que votaram na CCJ.

Pela manhã, governistas diziam que ainda havia expectativa de derrota, embora tivesse diminuído nos últimos dias. Defendendo que o resultado seria sabido apenas na hora, um aliado de Bolsonaro disse esperar que o vencedor tivesse cerca de 8 votos a mais que o derrotado.

Na CCJ, o relatório do senador Marcos do Val (Cidadania-ES), favorável ao decreto, foi rejeitado por 15 a 9. Com a derrota, foi aprovado o voto em separado do senador Veneziano Vital do Rêgo (PSB-PB), que é contra a medida de Bolsonaro.

Técnicos da Câmara e do Senado emitiram pareceres que indicavam que, nos dois decretos, Bolsonaro extrapolou limites legais, distorcendo o Estatuto do Desarmamento em vários pontos e exorbitando o poder regulamentar do Executivo.

Entre outros pontos, os técnicos apontaram que o decreto extrapola seu poder regulamentar ao estabelecer uma presunção absoluta de que todas as 20 categorias que lista cumprem requisito básico para andarem armadas.

O texto em vigor aumenta a lista de munições de uso restrito no país, incluindo de canhões e de morteiros, e restringe rojões, foguetes, mísseis e bombas.

O prazo para informar à Polícia Federal e ao Comando do Exército a aquisição de armas de fogo também foi ampliado. Ele passou de dois para sete dias úteis após a aquisição do aparato.

A medida ainda especifica quantas armas de fogo podem ser adquiridas por colecionadores, caçadores e atiradores e por integrantes das Forças Armadas, limites que não tinham sido previstos.

Ela detalha a validade do registro do porte de armas em dez anos, período que não havia sido especificado na medida anterior, e estabelece que será a Polícia Federal quem expedirá a autorização para a prática esportiva.

Além disso, a iniciativa também expandiu as categorias consideradas de atividade de risco e que, portanto, têm direito ao porte, incluindo guardas portuários e integrantes do Ministério Público.

Na área rural, ela restringiu a autorização do porte de armas, estabelecendo que será concedida apenas para proprietários de imóveis que se dedicam “à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial”.


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